sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

-Aqui onde diz na qualidade de, escrevo "boa"?
- Não. Escreve proprietário.
- Eu bem desconfiava...

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Ao meu lado, em frente a um espelho da mega-store, a senhora mais ou menos fortezinha experimentava um blusão, supervisionada pela empregada. Na verdade, parecia mais que estava dentro duma camisa de forças, pronta para ser levada numa ambulância.

- Não estará um bocadinho apertado? – perguntava ela – É capaz de ser melhor o tamanho L.

-Não! Imagina! – respondeu-lhe a empregada brasileira – Esse blusão não é para usar apertado até acima! Aperta só aqui em baixo, vendo?

Claro que se fosse portuguesa responderia exactamente o mesmo para dizer que só havia M. Só que era sem sotaque.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

- Os americanos, vou-lhe dizer uma coisa e a senhora pode acreditar à confiança… São umas bestas!

- Acha? – perguntei, já adivinhando qualquer coisa engraçada.

- São! E as pessoas cá fora nem sabem! Quem já lá esteve, como eu, é que sabe como as coisas são. E posso-lhe garantir, são uns estúpidos! Por exemplo, veja esta: “Make sure, sabe o que é que quer dizer “make sure”? Ter a certeza. Pois sabe como é que se traduz? Fazer certeza! Isto tem alguma lógica? Só na cabeça daqueles parvos! E por exemplo: “Let me know”, sabe o que é que quer dizer “Let me know”? Informa-me. Sabe como é que se traduz? Deixa-me saber! Por amor de Deus? Porque eles não falam como as pessoas normais??? A maior parte das pessoas nem sabe estas coisas, a senhora não sabia pois não?

Ainda estive para o deixar saber que sou professora de inglês, embora não praticante. Mas para quê “desenganá-lo”?

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Mesmo no meio da minha explicação sobre o procedimento para pedir autorização de venda ambulante, o homenzinho pequenino de boné e camisa de flanela aos quadrados olhou para o seu próprio ombro e, visivelmente irritado, ralhou:
- Shhhhhhh! Está calado!
Eu, sem ver ninguém ali por perto, parei por momentos, surpresa. Entretanto e como a atenção dele já se tinha virado novamente para a minha pessoa, continuei. Mas ele interrompeu mais uma vez e mais uma vez voltado para o seu próprio ombro:
- Já te disse para estares calado! Não vês que a senhora está a falar? Ai!
E depois para mim:
- A senhora desculpe.
Se eu me ri? Não. Não me ri. Há coisas delirantemente cómicas que não dão para rir.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Quando precisam, as pessoas conseguem ser cheias de recursos. Como uma amiga minha que, tendo combinado um encontro com alguém que não o marido e tendo saído de casa sob a desculpa de ir jantar com amigas, começou a ter uma sensação estranha de estar a ser seguida. Não tinha visto ninguém, não tinha ouvido nada, mas qualquer coisa, talvez aquela a que chamam o sexto sentido mas que neste caso também se pode chamar culpa, lhe dizia que não estava só enquanto fazia o percurso até ao hotel. Então, teve uma ideia. Ligou ao marido, pôs uma voz de pânico verdadeiro e disse:
- Estás em casa??? - nem deixou responder - É que eu tenho a certeza que me esqueci do ferro ligado em cima duma peça de roupa e a casa vai arder! E agora???
Tinha que resultar. E resultou.
Acho que é a isto que também se aplica aquele provérbio: "A necessidade aguça o engenho".

domingo, 10 de janeiro de 2010

A minha filha tinha quatro anos e tinha feito um disparate qualquer de que não me recordo, só sei que estava a repreendê-la. Lembro-me da cena porque ela me respondeu, seriíssima:
- E tu? Nunca te enganas? Não? És como o Cavaco Silva?

sábado, 9 de janeiro de 2010

Se por acaso a minha mãe descobria que eu tinha saído de casa sem fazer a cama, estava o caldo entornado. Só que havia um problema, eu odiava fazer a cama, odiava arrumar o quarto, odiava tudo o que me pudesse cheirar levemente a trabalho doméstico. Então um dia tive uma ideia brilhante, daquelas que até se nos acende uma lampadazinha a pairar acima da massa encefálica: Ia deixar de ter que fazer a cama!
Durante uma semana dormi no chão, em cima do tapete, coberta com o meu casaco comprido. Aguentei-me pelo menos até andar toda partidinha das costas como se tivesse tido cinquenta aulas seguidas de educação física após as férias grandes.
Depois verguei, que uma rapariga tem limites. E lá comecei a fazer a cama todos os dias antes de ir para a escola.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

De repente ela irrompia num riso tão compulsivo que tinha que tirar os óculos e limpar os olhos com um lencinho. Pelo meio das gargalhadas saíam uns "Ais" assim como quem se queixava de ter chegado a um limite.
- O que é que se passa D. E****? - perguntávamos nós, mas sabendo bem o que se passava.
Então ela pegava na deixa e lia em voz alta a anedota familiar que estava a ler na Dica da Semana que tinha escondida na gaveta da secretária. E nunca, mas nunca, reparou que nós não achávamos piada nenhuma.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Há um velhinho muito velhinho, daqueles para quem nós olhamos e pensamos "quem me dera chegar àquela idade sem fazer xixi nas calças", que costuma ir ao mesmo restaurante que eu. Vai sozinho, o que é indicador de que vive sem companhia. Não sei o nome dele, mas chamo-lhe mentalmente o senhor do leite-creme.
Senta-se sempre ao balcão, num daqueles bancos altos que não são para todos e janta no meio de grandes conversas com os empregados. Quando chega ao fim pergunta o que há de sobremesa:
- Há um leite-cremezinho como o senhor gosta!
- Ah! Hoje não quero leite-creme!
- Não quer? Pronto, o senhor é que sabe! Então temos mousse de chocolate, maçã assada, s'ladinha de fruta, baba de camelo e tarte de ovos moles.
- Nem sei...
- Uma maçãzinha assada?
- Ah!... Não...
- Uma moussezinha de chocolate?
- Ah!... Não...
- Então, uma tartezinha? Está muito boa!
- Ah!... Não...
- Então uma s'adinha de fruta!
- Ah!... Não... Olhe... traga-me um leite-creme para variar!

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

A minha preferida era a Pipi das Meias Altas. Vivia sozinha e o pai só aparecia de vez em quando para lhe dar dinheiro. Não havia ninguém para a mandar arrumar as coisas depois de brincar.Tinha a força de dez homens e a agilidade dum macaco. Também tinha um macaco. E um cavalo. Não ia à escola e saltava à vontade em cima dos sofás. Só comprava chocolates e rebuçados. Fumava charros com os amigos deitada na relva do jardim. Era um péssimo exemplo para todas as crianças porque felizmente nesse tempo ainda não se tinha inventado as coisas "educativas". Depois foi a tristeza. Veio a Heidi e o Marco, a Abelha Maia e os Moscãoteiros. E até mesmo a Pipi em versão mais moderna já se portava quase bem.
Curiosamente, a geração da primeira Pipi saiu muito mais educada do que as que lhe seguiram.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Abro o frasco e inspiro. O cheiro do doce de tomate!...
O dia em que se fazia doce de tomate lá em casa era para nós uma festa tão animada como o natal ou os aniversários. Distribuídos em alguidares de plástico por toda a cozinha, havia quilos e quilos de tomates encarnados de maduros que a minha mãe mergulhava em água a ferver para tirar a pele que se encolhia e encaracolava e parecia magia. Quando fiquei uma "mulherzinha", não sei ao certo que idade tinha mas foi assim que me explicaram, fui autorizada a ajudar nesta operação que já era capaz de realizar sem queimar os dedos. A seguir tirava-se-lhes as graínhas e cortavam-se aos pedaços. Depois, iam ao lume com o açúcar e o cheiro ia enchendo a casa toda, devagarinho. Lembro-me de tudo só naquele cheiro.
No fim era altura de provar antes de guardar em frascos. Estava muito quente e era preciso soprar até se conseguir degustar sem queimar a língua. Eu queria sempre provar o doce de tomate enquanto estava quente. Era quando o cheiro já tinha invadido os nossos sentidos todos e dava muita, muita vontade. Depois, no resto do ano, nem me lembrava que havia doce de tomate lá em casa. Até porque não gostava. E ainda não gosto.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Nas excursões da escola primária costumávamos visitar igrejas e outros locais onde tivesse havido milagres da responsabilidade de divindades católicas, facto devidamente realçado pelas professoras do regime. Havia um em que a Nossa Senhora tinha feito fechar com tal força a porta da capela, que cortou rentinho um dedo ao malvado ladrão que nessa altura entrava no local. Ou saía. Já não me recordo. E para nos provar que era verdade, lá estava em exposição dentro dum frasco o dedo, pedaço de carne arroxeada e irreconhecível. Fiquei muito impressionada e, como era costume sempre que me ia meter em assados, desatei a fazer perguntas:
- Mas esse ladrão era pobre? Se calhar precisava. A Nossa Senhora foi má. A Nossa Senhora não podia simplesmente trancar a porta de tal maneira que ninguém entrasse? Era preciso cortar um dedo? A Nossa Senhora é má porquê?
Naquele tempo ficava-se de castigo por estes motivos e a professora passou o resto do passeio a olhar-me de lado.
Mas outra altura houve em que me correu bem. Foi na Nazaré. Quando me contaram que aquelas marcas na rocha à beira da falésia, que ninguém via mas todos imaginavam, eram as patas traseiras do cavalo de D. Fuas numa milagrosa travagem obra da virgem, pensei que nunca tinha visto milagre tão belo. Um cavaleiro à beira dum precipício, montado num elegante cavalo equilibrado só sobre as patas traseiras, numa pose majestosa e sem cair lá abaixo!... Uau!...
Só uma perguntinha. Pequenina:
- Como é que ele depois conseguiu fazer marcha-atrás e desmontar?

domingo, 3 de janeiro de 2010

Lembro-me da passagem de ano de 1969 para 1970. Não me lembro dela por nenhuma razão especial. Não foi diferente, nem pior, nem melhor do que qualquer outra. Lembro-me apenas que, quando estava a ver o programa de variedades com que essa noite a RTP brindou os telespectadores, pensei que já não me recordava da passagem de ano anterior e que por isso, ia fazer um esforço para me lembrar daquele momento até ser muito velhinha.
E é apenas do que me recordo: Duma rapariga a cantar num cenário de relógios que marcavam a meia-noite e de ter pensado que me ia lembrar daquilo para sempre. Nada mais.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Há alturas em que nos estão a contar uma história e, depois dela acabar, nós ainda ficamos à espera do resto. Isso acontece porque na nossa cabeça a história não faz o mesmo sentido que faz na cabeça de quem conta. Era uma coisa que me acontecia frequentemente com a minha ex-sogra, senhora cujo habitat era (e é) um micro-cosmos onde os costumes são os de há muitos séculos.
- O Tio A****** casou com a Tia F******* - contava-me ela um dia - apesar do seu passado. Ela trabalhava num quiosque.
Eu fiquei calada com a mesma atenção com que estava no início, à espera de me ser revelada qualquer coisa fantástica como a Tia F******* gerir, a partir do quiosque, uma extensa rede de prostituição e tráfico humano. Mas afinal não. Era só mesmo aquilo.
Noutra ocasião ela contava-me que a Tia M**** foi afastada da família durante muitos anos porque se tinha enamorado dum advogado famoso na terra, com quem manteve uma relação. E lá fiquei eu mais uma vez com ar de parva à espera que me dissessem que esse advogado vivia uma vida dupla, tinha uma família completa com muitos filhinhos noutra cidade ou então que era suspeito de ser um perigoso serial-killer. Mais uma vez estava enganada. A história já tinha terminado e, naquele clã, fazia todo o sentido repudiar um dos seus por manter uma relação sem casar.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Nas vésperas do Natal, no super-mercado, uma senhora com um carrinho de compras cheio de onde sobressaía um quadro negro daqueles com tripé para pôr no quarto das crianças, falava ao telemóvel num tom muito alto para que todos à volta pudessem ouvir:
- Comprei-lhe um quadro! - dizia ela - É muito bonito! Tem as letras e os números, e por trás é "de encontro ao placado"!