segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A Paula teve direito a fato de sevilhana no carnaval. Vermelho-vivo, às bolinhas brancas, cheio de folhos nas mangas e na saia, tudo rematado com o charme dum leque de plástico, duma mantilha de nylon e, oh sonho!..., duma maquilhagem a condizer, com baton encarnado e um sinal negro na bochecha. Fui para casa a correr passar a mensagem à minha mãe. Eu também queria ir de sevilhana como a Paula!
- Tu não vais. - respondeu-me ela - Isso é vulgar e ordinário e impróprio para miúdas da vossa idade.
Eu ainda ia perguntar qual era a idade própria para ir de sevilhana, mas a prudência recomendou-me que não o fizesse. Há que não esquecer que, naquele tempo, ser espanhola significava ser mulher de mau porte e uma ameaça para as lusas esposas. A minha mãe estava mesmo a sério.
Ficou decidido que eu iria de camponesa da Beira Baixa, de saia rodada, blusa de chita, um lenço enfiado na cabeça, um avental e uma espécie de saca do pão na mão. E no dia em que fomos ambas à costureira fazer a prova final, lado a lado, a Paula deslumbrante no seu vestido cheio de salero e eu com ar de quem ia dar de comer às vacas, quando olhei para ela e vi disparar dos seus olhos um raio de gozo pela minha triste figura, jurei que, nem que levasse cem anos, havia de me vingar. Como eu odiei a Paula nesse dia meu Deus!

domingo, 30 de agosto de 2009

E quando o tempo piorava, quando vinha uma daquelas mini-tempestades que varriam tudo a vento, era certinho. Ficávamos sem televisão.
Depois, lá ia o homem da casa para cima do telhado endireitar a antena. E era aí que se vivia um verdadeiro espírito de entreajuda familiar: A mãe e os avós ficavam em frente à televisão a fazer a supervisão técnica, e os filhos saíam para o quintal servindo de meio de comunicação. O pai ia virando a antena, muito devagarinho e perguntava:
- Está bom?
E os filhos perguntavam lá para dentro:
- Está bom?
Ao que a mãe e os avós respondiam:
- Não!!!
E gritavam os filhos lá para cima:
- Não!!!
Até que às tantas alguém gritava lá de dentro:
- Assim! Assim!
E os filhos outra vez:
- Assim! Assim!
E respondia o pai:
- Mas assim não dá senão tenho que ficar cá em cima a segurar!!!
E desta forma viajavam mensagens entre a sala de estar e o telhado até haver televisão outra vez. A maior parte das vezes, debaixo de mau tempo.

sábado, 29 de agosto de 2009

A senhora, grande em todas as direcções, sentou-se à minha frente e eu tive a sensação de que ocupava a mesa toda. Vinha agastadíssima:
- Ai que bom! Aqui dentro está tão fresquinho! Que sorte vocês têm, lá fora está um calor que não se aguenta!
Na, verdade, estavam apenas 26 graus no exterior e 22 no nosso espaço. Eu respondi-lhe:
- Eu ainda nem tive oportunidade de sentir calor hoje, tenho estado sempre aqui. Mas também lhe digo, incomoda-me muito mais o frio.
Ela ficou de repente mais intimista. Chegou-se à frente, pôs a mão em cima do meu braço e confessou:
- Tem razão! tem toda a razão! Eu com frio, nem me mexo! E quando vou para a cama, se não calçar umas peúgas do meu marido... nem durmo!

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Eu estava autorizada a usar saias muito curtas porque ainda era criança. Mas já estava avisada que depois de crescida não o poderia fazer. Apesar de, naquele tempo, a mini-saia ser um êxito absoluto no estrangeiro (ou "lá fora", como se dizia então a indicar que nós estávamos cá dentro, como sinónimo de fechados), nas aldeias e pequenas cidades de Portugal, só as muito ousadas e dispostas a abdicar dum casamento sério a usavam.
Eu, secretamente porque não podia dizê-lo, decidi que depois de crescida iria usar mini-saia, como a catequista que morava em frente e toda a gente dizia que não prestava e se enrolava com o padre. Basicamente, o que eu decidi foi que estava farta de sermos todos tão pequeninos e acinzentados, nada mais do que isso.
Para meu azar, quando os anos setenta desabrocharam e eu também, a mini-saia passou a ser uma coisa obsoleta. O que se usava era a maxi, a midi e as calças à boca de sino. E isto, enfim, há limites para tudo: Perdida é naquela, mas fora de moda é que nunca!

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Quando o meu pai teve que partir para a guerra, surgiu uma questão que não tinha passado pela cabeça de ninguém até então: O carro, o nosso maravilhoso Fiat 600, ia ficar ao abandono sem ninguém que o conduzisse. Provavelmente, quando o meu pai voltasse um dia, já nem funcionaria. Então, teve início com a participação de todos os membros da família, dos mais chegados aos mais afastados, uma tertúlia destinada a concluir se, caso a minha mãe tirasse a carta de condução para andar com o carro na ausência do marido, continuaria ou não a ser uma mulher séria e respeitável e não caíria irremediavelmente nas bocas do mundo, com o seu nome arrastado pela lama. Em cima da mesa pousaram-se argumentos, contra e a favor. Procuraram-se exemplos de mulheres que já conduziam. Algumas eram, de facto, perdidas. Até fumavam. Mas outras não.
Finalmente, depois de muito debate, concluiu-se pelo sim. Oficialmente, a família decidiu que conduzir não era condição sine qua non para uma mulher do clã se perder. O que foi bom, porque outras aproveitaram a boa onda e se juntaram e foram tirar a carta todas ao mesmo tempo, aliviadas dum peso que carregavam há anos sem qualquer sentido.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Enquanto não atingi uma altura razoável, um dos meus maiores pesadelos era andar de autocarro sozinha. Naquele tempo, os autocarros, como muitas outras coisas, eram feitos só para adultos altos. Para tocar para parar, havia umas correias de couro que percorriam toda a viatura junto ao tecto e que era preciso puxar para fazer soar uma campainha ao lado do motorista. Não foram poucas as vezes em que me dirigi a um adulto pedindo para fazer o favor de tocar porque eu queria sair a seguir, e obtive como resposta envergonhada:
- Oh menina, mas eu também não chego lá!

terça-feira, 25 de agosto de 2009

No meu top de restaurantes maus ou simplesmente inacreditáveis há um que é inultrapassável no que teve de surreal. Foi num tasco daqueles à beira-mar, com uma vista maravilhosa que, por si só, torna indesculpável a incompetência. Quem tem o privilégio de ter um estabelecimento num sítio daqueles, devia ser preso por não oferecer um serviço a condizer. Mas isto sou eu a falar, porque obviamente, eles não eramda minha opinião.
Era um daqueles fins-de-semana de Junho em que acordamos e achamos que queremos comer sardinhas assadas com pimentos e aquelas coisas todas que fazem parte da época. Entrámos e perguntámos à senhora que lá andava dum lado para o outro se tinham sardinhas. Resposta afirmativa, abancámos. Escolhemos o prato imediatamente pois já sabíamos o que queríamos e pedimos a carta de vinhos. Escolhemos. Entretanto, trouxeram-nos um cestinho com pão e uma travessinha com o que eles entendiam ser um menu de entradas: azeitonas rafeiras, manteiga e queijo Queru. Perguntámos se havia queijo e a resposta foi que sim, apontando para o dito. Ok.
Para aí um quarto de hora depois apareceu a empregada, que disse o seguinte, e juro que isto é verdade:
- Olhe, os senhores podiam escolher outro vinho? É que eu não consigo encontrar o que pediram, não sei onde está!
Escolhemos outro vinho.
Para aí meia hora depois, como não acontecia nada, algumas pessoas que estavam sentadas à espera começaram a levantar-se e a ir embora. A empregada, pateticamente, só dizia "Peço imensa desculpa! Peço imensa desculpa!", que parecia ser uma gravação que tinha engolido nessa manhã.
Finalmente, uma hora depois, chegaram as sardinhas. Amassadas e secas, bem ao estilo das congeladas. Mesmo ali, em frente ao mar, numa vila tradicionalmente piscatória. Quando perguntámos se as sardinhas eram congeladas, ouvimos a gravação: "Peço imensa desculpa! Peço imensa desculpa!"
No fim daquele mini-pesadelo, como é evidente, dispensámos a sobremesa e só queríamos ir embora. Mas ao sair, eu ainda espreitei para o balcão das ditas, onde umas mousses de chocolate secas e já separadas das taças nos rebordos esperavam um qualquer golpe de misericórdia.
- Estava tudo bem? - perguntou a tontinha da empregada.
- Não - respondemos - estava tudo mal.
- Ai! Peço imensa desculpa! Peço imensa desculpa!

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

A voz. Pode não ser tão importante como a imagem. Não precisamos de ser todos cantores líricos nem locutores de rádio, mas hoje tive a sensação que, digamos, numa escala de um a dez, a voz tem uma importância para aí de... bem, não sei.
Eu estava num restaurante, daqueles barulhentos, com muita gente, e algures no meio da confusão comecei a distinguir o som duma mulher que se lamentava e chorava. Achei estranho e varri a área com o olhar à procura do foco do drama. Bem ao contrário, o que se passava era que uma mulher jovem, loura e medianamente apresentável, duas mesas à frente da nossa, elogiava a carteira duma amiga, numa conversa totalmente banal:
- Tão gira! Onde compraste? Foi nos saldos? Ou já é da nova colecção?
A particularidade é que a criatura tinha uma voz horrível! De cada vez que abria a boca, parecia que estava em pranto, num choro esganiçado entre galinha choca e perú bêbedo! Imaginei-a a cantar um fadinho e contive-me para não desatar às gargalhadas. Loucura!
Mistério resolvido, desliguei dali e voltei a concentrar-me no meu peixe grelhado com migas e no meu vinho branco. Mas uns minutos depois, pareceu-me que de novo alguém chorava, mas desta vez num tom mais grave de quem acordou de manhã e emborcou três bagaços de seguida. Voltei a olhar na direcção do som e vinha da mesma mesa. Era a mãe da miúda anterior (de certeza, tirava-se pela pinta), que também tinha começado a falar.
A sério! - pensei eu - Aquelas duas estão a passar ao lado duma brilhante carreira de comediantes! Um sketch com as duas numa série da BBC nem precisava de texto, bastava pô-las a elogiar carteiras!

domingo, 23 de agosto de 2009

Naquele tempo, os carros também não tinham rádio. Quer dizer, tinham, mas só os muito muito bons, ou então quando os donos mandavam pôr. Havia rádios, leitores de cassettes, que eram uns objectos com umas fitas que andavam à roda e de vez em quando prendiam e desdobinavam-se todas e havia também os cartuchos. Os cartuchos, para quem não sabe, eram uns objectos enormes e misteriosos que pareciam armadilhas para baratas e davam música quando se metiam dentro dum aparelho que era o leitor de cartuchos. Mas adiante. O carro do meu pai tinha um leitor de cassettes e o meu pai tinha duas cassettes, que ia tocando alternadamente até nós chegarmos a saber todas as músicas de cor: Uma era dum conjunto (nesse tempo bandas era só as que tocavam nos coretos) chamado Marino Marini e outra era de música country americana, com a fotografia duma tipa mamalhuda só de botas e chapéu e uma guitarra à frente a tapar as coisas.
Mas a verdadeira anedota era um vizinho nosso que, sendo forreta como o Tio Patinhas, resolveu que era um desperdício de dinheiro mandar pôr uma aparelhagem no carro. Então, comprou um leitor de cassettes daqueles grandes de ter em casa e, de todas as vezes que ia a qualquer lado de carro, levava-o e pousava-o no banco de trás para ter música no carro. Lembro-me bem de toda a vizinhança se pôr à janela, por trás das cortinas, a rir discretamente quando o via a sair de casa a carregar aquilo. Nessas alturas, quem via primeiro chamava a família toda:
- Venham ver o M****** a transportar o leitor de cassettes!

sábado, 22 de agosto de 2009

...
Até que, naquele deserto, passou por nós uma outra família num outro carro mas quase de luxo. Era um Ford Escort. O senhor que vinha lá dentro com a mulher era mecânico e resolveu parar para perguntar se era preciso alguma coisa. Pois claro que era preciso alguma coisa, por exemplo, trocar o Ford Escort pelo nosso Fiat 600. Isso ele não fez, claro, mas pôs-se de volta do esgotadíssimo motor do nosso mini-carro e não saiu de lá até conseguir resolver o problema, e no fim nem quis que lhe pagassem.
Mas do que eu me lembro mesmo bem é da mulher dele. Uma espécie de bruxa das histórias que eu lia, de cabelo pintado de preto-azul e casaquinho de malha pelas costas apesar da brasa, que não se calou nem um minuto, sempre a dizer coisas simpáticas como - "Ai este homem faz sempre isto! Vê alguém enrascado, pára logo para ajudar. Que parvo! Eu bem me farto de lhe dizer, oh homem, deixa lá isso que não é nada connosco! As pessoas que resolvam os problemas delas, não é verdade? Mas ele não, tem que parar sempre! Que parvo me saiu este homem!"
Eu tenho ideia de ter pensado cá para comigo que não fazia parte do código dos adultos dizerem coisas daquelas, e que ela estava a ser um nadinha mal-educada, tanto connosco como com o marido. Mas estava de castigo e tinha que ficar calada.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Foi emocionante o dia em que o meu pai foi buscar o nosso primeiro carro. Era um Fiat 600 branco que parecia meio ovo com estofos vermelhos debruados a preto. Naquele tempo nenhum carro tinha cintos de segurança e muito menos airbags ou coisa que o valha. Nós íamos no banco de trás, de joelhos, a dizer adeus às pessoas que vinham a seguir como se as conhecêssemos de algum lado, ou então deitavamo-nos para ver a paisagem de outro ângulo. Um dia, fomos com o Fiat 600 a um sítio que eu já não me lembro como se chamava mas era uma montanha, e era verão. O pobrezinho, que tinha o motor atrás e a mala à frente, recusou-se a subir mais e ficámos todos apeados no meio da serra. Os adultos preocupadíssimos e nós, as crianças, divertidíssimas, aproveitando para correr pelo meio das árvores e apanhar plantas que não conhecíamos, certos de que os adultos arranjariam uma solução que nos pusesse em casa antes do anoitecer pois era isso que lhes competia. Mas quando o meu pai foi abrir o motor para ver o que se passava, deu-se uma pequena explosão que o deixou com a cara toda negra como nos desenhos animados do Bugs Bunny. Eu e o meu irmão desatámos a rir com a cena tão divertida e ficámos de castigo ali mesmo, no meio da imensidão, os dois sentados a um canto sem poder abrir a boca nem fazer qualquer investigação na natureza. Foi triste.
...

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Às tantas eu comecei a reparar que todos os casais que eu conhecia tinham apelidos iguais e achei que era obrigatório casar com alguém que tivesse o mesmo sobrenome que nós. Fiquei preocupada, porque o meu último nome era (é) do mais estranho que há e só os homens da minha família o tinham. Como não é permitido, nem eu estava interessada em casar com um parente (aliás, nessa altura já tinha decidido que casaria com um príncipe encantado), entreguei as minhas dúvidas e os meus temores ao cuidado da pessoa que eu achava que me ia ajudar a resolver o problema, até porque também tinha tido um exactamente igual: A minha mãe.
- Mãe! - perguntei - Quando eu for grande e quiser casar com alguém, como é que eu vou fazer?
- Como assim?
- Onde é que eu vou arranjar um noivo que se chame C******* como eu? Não há! Como é que tu conseguiste arranjar?
A minha mãe abanou a cabeça e riu-se. Depois, mandou-me literalmente pastar, pois virou-me as costas e foi aos seus afazeres. Custava alguma coisa ter-me explicado como é que funciona a adopção de nomes do conjuge? Custava? Não. Mas graças a esse momento, passei mais algum tempo da minha vida a amaldiçoar não ter nascido numa família de Silvas ou de Santos, e a tentar conformar-me com a ideia de que iria ser uma solteirona daquelas que passam a vida em casa dos familiares a chatear. Ou pior ainda, iria para um convento ficar gorda e cozinhar doces tradicionais com ovos até ao fim dos meus dias!

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

- Tenho tantas coisas para tratar! Os terrenos, as casas, a papelada! Isto dá tanto trabalho! Se a gente vende qualquer coisa tem logo uma carga de trabalhos! E logo agora a minha filha quer que eu vá aos Estados Unidos. Vai ser um transtorno. Amanhã já vou!
- Deixe lá! - respondi eu - Aproveita para passear e esquecer as chatices por uns tempos!
- Pois... Mas é para ir ao funeral da minha netinha.

Quando ouvi isto, juro que pensei que estava a ouvir mal. Olhei para ela aparvalhada, à espera de mais qualquer coisa que me esclarecesse sobre tamanha descontracção. Ela começou a remexer na carteira à procura duma fotografia para me mostrar.

- Tinha 19 anos... Mas estava doente... Ah! Está aqui!

E passou-me para a mão a foto duma jovem negra, deitada num sofá com um ar bastante debilitado. Eu continuava sem palavras.

- E é assim. - continuou ela como se nada fosse - Eu por mim nem ia, não vou lá fazer nada! Mas a minha filha insistiu, insistiu... Paga-me as passagens e tudo!

A seguir, mesmo logo a seguir, voltámos à conversa sobre os registos dos terrenos.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

A senhora à minha frente era particularmente faladora.

- Vocês aqui têm um trabalho que não é nada fácil, não é não! É o que eu digo, não deve ser nada fácil estar aí atrás desse balcão!
- ...
- Mas também é o que eu digo, o que interessa é gostar do que se faz! A gente gostando, facilita tudo! Eu gosto muito do meu trabalho!
- Então e o que é que a senhora faz?
- Eu sou auxiliar no hospital! Adoro ver aquelas feridas fundas, que deitam pus! Aquelas que é preciso estar lá a ajudar a enfermeira a limpar com as gazes! Ai o que eu gosto daquilo, a sério!
- Ah... Eu prefiro trabalhar aqui...

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

- Tens que fazer!
- Mas agora não me apetece! - lamentava-se o nosso irmãozinho mais novo.
- Mas tens que fazer! Leva a caixa! Faz força!

Nós, os mais velhos, ficávamos do lado de fora da casa de banho à espera, até que ele aparecia com a caixa.

- Só consegui fazer este bocadinho! - e exibia um pequeno excremento.
Nós virávamos a cara de nojo.
- Ok! Chega assim, fecha isso!

A seguir, fazíamos um bonito embrulho, com lacinho e tudo, e íamos pô-lo lá fora no chão, como se tivesse sido perdido. Depois, ficávamos na varanda a ver o que acontecia até alguém o apanhar.

Caramba! A vida tornou-se tão mais saudável quando os miúdos passaram a ficar horas diante dos computadores!

domingo, 16 de agosto de 2009

E aquela fase estúpida em que íamos à lista telefónica procurar nomes estranhos para depois fazer chamadas a brincar com os ditos, para grande surpresa dos nossos pais quando chegava a conta do telefone no fim do mês? Essa foi uma das minhas primeiras grandes conquistas técnicas. Troquei os fios do telefone, cá fora na traquitana que estava no armário do patamar das escadas, e o vizinho do lado passou a pagar as nossas chamadas, que a partir daí se tornaram mais ousadas e menos locais. E para tudo ser ainda mais perfeito, o vizinho era poupado no telefone.
Isso durou até ele começar a desconfiar e chamar os senhores da "companhia" para irem lá ver o que se passava.

sábado, 15 de agosto de 2009

Apesar dos anos de experiência que já tenho há coisas com que ainda não consigo lidar na perfeição. Não se trata, portanto, duma questão de tarimba, mas principalmente de temperamento.
Apareceu-me um senhor, simpático q.b., que usava aparelho para ouvir. No meio da conversa, fez questão de me contar, com grande excitação, que antes, quando não ouvia, estava dependente de todos, mas agora se sente um homem novo, consegue tratar do filho, ajudá-lo nas tarefas da escola e até viver sozinho e tratar de tudo. Eu, que não sou um orangotango, claro que entendi a questão. Claro que entendi a alegria dele! Claro que, no fundo, até fiquei um bocadinho emocionada! Não muito, mas um bocadinho assim...
Mas limitei-me a sorrir. Tenho a certeza que, se dissesse alguma coisa, ia parecer o Cavaco Silva no meio do povo a tentar ser simpático e a ser tão convincente disso como uma raposa no meio dum galinheiro. Há pessoas que não dá.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Tenho "aquele" colega que toda a gente trata por coitadinho, que se esforça muito mas não tem capacidades porque, coitadinho, é um bocadinho retardado, ele não tem culpa, temos que ser compreensivos. Aquele que depois de lhe fazermos uma pergunta fica a olhar para nós durante vários segundos como se estivesse prestes a levar com um piano na cabeça mas não soubesse donde ele vem. Aquele colega que, quando lhe damos um recado pelo telefone, vai buscar um papel para apontar e aquilo demora uma média de 15 minutos para lhe conseguirmos dizer que diga à Ivone para nos ligar logo que possa e mais valia subir quatro andares pelas escadas e ir lá. É um desespero! Mas eu já sei, temos que ser compreensivos e isso tudo porque o coitado pede licença a um pé para avançar com o outro e se não lhe disserem que está uma porta fechada mesmo ali à frente, vai contra ela e parte os óculos.
Por tudo isso, fiquei particularmente perplexa com a desenvoltura com que o vi discutir as mais recentes transferências de jogadores no mundo do futebol com outros dois aficionados. Disso, sabe ele mais a dormir do que eu acordada e com dois cafés seguidos. Fiquei até com uma pequena desconfiança de que tante azelhice pode ser uma habilidade para não fazer nenhum.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Numa cidade portuguesa do norte, num daqueles autocarros turísticos, aconteceu este episódio que nos leva a concluir uma de duas coisas:.
1. O guia turístico estava de férias, ou doente, ou tinha sido despedido
2. Não há guia turístico.

Isto porque, depois de termos passado por igrejas, edifícios monumentais e outros pontos de (suposto) interesse, em total silêncio, com toda a gente a perguntar-se o que seria aquilo e porque ninguém explicava nada, eis que o motorista pegou no microfone para anunciar:
-Agora, à vossa direita, vai aparecer o Intermarché!

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

O empreiteiro tosco, daqueles que usam camisas abertas até meio com voltas de ouro ao pescoço, apareceu por lá e levou a esposa, uma daquelas senhoras que usam saia sem cós e cruzam os braços debaixo das mamas e por cima da barriga. Vinham ambos muito entusiasmados porque tinham estado a assistir, nesse mesmo fim-de-semana, a uma coisa "muito linda" e "muito bem feita"! Ele contava e ela só acenava com a cabeça a concordar:
- Porque isto a gente tem que ver de tudo não é? Para se cultivar! Não pode ser só ir para o café beber, tem que se ver estas coisas diferentes!
E ela acenava...
- Fomos a uma feira medieval. Não foi Maria? Aquilo é que estava uma categoria!
E ela acenava...
- Às tantas, abriu-se uma porta e saiu de lá um cavalo!... Com uma fulana em cima toda descascada!... Que era como elas andavam lá no... medieval... aquilo era mesmo para ser uma coisa bem feita! Mesmo como naquele tempo!
E ela acenava...
E nós a concluir que eles tinham estado no Festival Erótico Medieval, uma espécie de feira do sexo mas para mais rasca ainda. E nós a pensar como gostávamos de ser mosquinhas para termos visto lá aqueles dois, com aquele ar de quem estava numa lição de história...

terça-feira, 11 de agosto de 2009

- Fui a Lisboa - dizia ela de peito cheio - mas desta vez não fui à revista! Fui ver o Rei Leão!
- Os desenhos animados, ao cinema?! Mas isso vê-se em qualquer lado!
- Não! A peça de teatro! A do Shakespeare!
- O Rei Lear?...
- Sim, isso, o Rei Leão! Foi o que eu disse!

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Nas primeiras eleições depois da revolução, ao contrário de agora, só não foi votar quem estava morto ou ainda não tinha idade, como era o meu caso. Mas, tal como agora, a maior parte dos que lá foram percebiam tanto daquilo como eu de lagares de azeite. Mas era novidade e todos queriam experimentar, compreende-se.
Uma vizinha nossa, já velhota, chegou orgulhosa depois de ter cumprido o seu dever cívico:
- Já está! - dizia ela.
- Então e em quem votou Ti D*******?
- Não sei nem me interessa! Só sei que vi a foice e o martelo logo ali na parte de cima!... e... hei! Pus logo a cruz num dos que estavam lá para baixo! A mim não me enganam!

domingo, 9 de agosto de 2009

Acordava de manhã e comia três ou quatro laranjas "ao murro". Era o meu pequeno-almoço. Já acordava a sonhar com o raio das laranjas.
Quando chegava a casa no fim do dia, cortava grandes rodelas de tomate para um prato, temperava com sal grosso e azeite e comia aquilo como se fosse um pitéu. Eu, que odeio tomate!
Quando ia a restaurantes ficava a olhar para os balcões das sobremesas, desejando loucamente a fruta. Só a fruta!

Eu precisava de estar sempre grávida. Mas sem a barriga... e sem ter uma criança de nove em nove meses. Pode ser?

sábado, 8 de agosto de 2009

ELA: Foi "bocê" que me apitou "onte"?
EU (em pensamento): Queres ver que esta é daquelas que me aparece logo de manhã a fazer pisca para a direita e a virar para a esquerda só para me assustar?
EU: Acho que não apitei a ninguém ontem... foi onde?
ELA: Apitaram-me pr'ó "telemóbel"! E foi daqui! Mas eu quando dei p'lo apito já não fui em modos de responder!
EU: Ah! Não, não fui eu.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

No tempo em que a televisão por cabo passava filmes porno dobrados em espanhol em canal aberto à meia-noite de sábado, uma amiga minha foi apanhar a filha de três anos muito atenta a assistir a uma dessas instrutivas películas. Aterrorizada, ao entrar na sala em semi-escuridão e ver a filha em pijama, tão divertida como se estivesse a ver o Disney Channel, ela gritou:
- Carolina!!! O que estás a fazer filha???
- Estou a ver um filme de ginástica - respondeu a miúda super-tranquila.

Ao constatar a descontracção inocente da criança, a minha amiga achou preferível não valorizar muito o episódio. Então, limitou-se a desligar a televisão e a convencê-la a ir para a cama, prometendo-lhe um filme de animação muito mais interessante para o dia seguinte. Depois de a aconchegar e desligar a luz, quando se afastava para ir dormir também, a filha chamou-a_
- Mãeeee!!!
- Sim filha, diz.
- Porque é que os senhores do filme faziam ginástica sem fato? Eram pobrezinhos?
- Sim querida, eram pobrezinhos.
- Mãeeee!!!
- Sim...
- E porque é que eles só faziam ginástica com a pilinha?

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

- Aquilo é uma fábrica abandonada!
- Tens a certeza? - perguntei - Não parece muito abandonada.
- Mas é! Estamos à vontade! Está fechada há anos! Vamos lá!

No fundo, a única coisa que a Madalena queria era uma cúmplice para um disparate que estava louca por fazer. Aqueles disparates compulsivos que fazemos em crianças e são os percursores dos que haveremos de fazer em adultos, já em temáticas diferentes e sempre com uma justificação que julgamos inabalável.
Depois duma pequena discussão, lá acabámos por entrar no armazém da suposta fábrica de loiça abandonada. A porta estava entreaberta e assim que passámos para o lado de dentro, vimo-nos no meio de pilhas e pilhas de pratos em bruto, sem vidrado. Um paraíso para uma criança! Depois de partirmos alguns (bastantes) num jogo de ringue improvisado ali mesmo, resolvemos atafulhar as mochilas da escola com tantos quantos lá couberam. E assim, calmamente, viemos embora. Já em casa, divertimo-nos a pintá-los com lápis-de-cor e a distribuí-los por toda a vizinhança e família, que os usou como loiça para cães e gatos de estimação. Quando nos perguntaram onde os tínhamos arranjado, respondemos que os tínhamos encontrado num monte de tralha a caminho da escola.
Uns dias mais tarde, correu na aldeia a notícia de que a pequena fábrica de loiça tinha sido vandalizada, mas não se sabia por quem. As nossas mães olharam-nos com uns olhos que nos fizeram ter medo de estar vivas. Eu e a Madalena não voltámos a passar ao pé da fábrica naquele ano lectivo. De resto, toda a gente sabia que tínhamos sido nós mas ninguém disse nada. Até porque cada criatura que tinha um prato pintado a lápis-de-cor ao serviço do gato ou do cão lá de casa, não quis passar pelo trouxa que tinha sido.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Um dia, depois de ter visto com muita atenção o boletim de meteorologia na televisão, a minha filha então com quatro anos perguntou-me:

- Oh mãe! Porque é que chove no continente e não chove no Feira Nova nem no Carrefour?

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Sentou-se à minha frente uma senhora, arquitecta, com a filha de uns cinco anos de idade.

A MÃE: Venho entregar isto, que é dum cliente.
EU: Mas isto está incompleto, vai ser rejeitado liminarmente.
A MÃE: Olhe... mas recebe mesmo assim não recebe?
EU: Claro que recebo. Só acho que é meu dever avisá-la, mas recebo.
A MÃE: Então por favor fique-me com isso para eu ver se o homem me deixa em paz. Fartou-se de me telefonar durante as minhas férias e eu do outro lado do mundo, a levar com ele às horas mais disparatadas por causa dos fusos horários! Ia dando em doida! Eu até podia fazer isso completo, mas para já o que interessa é entregar para ele parar de me atormentar! Nem faz ideia!
A FILHA: É verdade! A minha mãe estava sempre a atender o telefone e a dizer, "rais parta este cabrão" quando desligava! Eh eh eh!

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Tivemos que ficar a trabalhar até mais tarde naquele dia. Ficámos pela noite dentro sem termos conseguido terminar o trabalho e, a uma certa hora, a fome começou a apertar. A que de entre nós estava grávida fez questão de telefonar a mandar vir pizzas e como é senso comum, nunca se nega um desejo a uma grávida.
Acontece que a arquitectura do edifício onde estávamos era um pouco complexa e nós encontrávamo-nos exactamente no último piso. Às tantas olhámos pela janela e vimos o motociclo do distribuidor das pizzas. Calculámos que ele andaria pelo prédio, àquela hora vazio, à nossa procura, com alguma dificuldade. E o momento a seguir foi ver uma mulher com uma grande barriga, desesperada por mozzarela e pepperoni, a correr pelos corredores e a gritar:
- Senhor da pizza! Não vá embora! Senhor da piiiiizza!!!

domingo, 2 de agosto de 2009

Na festa de despedida de solteira da C... levámos a cabo uma série de palermices que habitualmente fazem parte do catálogo neste tipo de eventos, oferecemos-lhe um conjunto de gadgets de sex-shop especiais para noiva: O bouquet de pilas, o véu e a grinalda de pilas, o babete especial para sexo oral, vários dildos e até um sabonete na forma dos ditos. Na euforia da noite, como se o divórcio não fosse a coisa mais vulgar do mundo, ela agiu como se estivesse mesmo no limiar inevitável duma nova vida. É sempre assim, tirando raras excepções, ninguém casa a pensar que não vai ser para sempre como nos contos de fadas. A C... deixou-se então fotografar com os presentes recém-recebidos, nas mais diversas e comprometedoras poses. Mas ao contrário do habitual, nós não nos limitámos a trocar as fotos entre nós e ponto final. Uma praxe é uma praxe! Ou se faz em condições ou não se faz!
Uns meses mais tarde combinámos um almoço em grupo a propósito já não sei do quê. Mas previamente, combinámos com o restaurante a fabricação dum menu especial. Igualzinho aos outros por fora mas com as fotos da C... por dentro, sendo que a cada uma correspondia o nome duma escolha gastronómica... invariavelmente com a palavra chouriça, pepino, tomates ou rolo de carne. Claro!
Quando todas estávamos instaladas na mesa e o empregado veio distribuir os menus, o especial de corrida foi calhar (vejam só!) à C..., que depois de o abrir e sem contar de todo com aquilo, ficou seguramente uns minutos sem voz, perfeitamente aterrada, a pensar que todos os menus de todo o restaurante teriam a fotografia dela a simular um bobó num objecto fálico azul turquesa.
São também estes pequenos momentos patetas que tornam a vida divertida.

sábado, 1 de agosto de 2009

Andávamos no casino dum lado para o outro, de copo na mão e a apreciar aquilo que para nós é o estranho prazer de gastar dinheiro em rodelas de plástico para as enfiar em qualquer lado e elas desaparecerem. Até que o meu marido resolveu explicar-me uma ideia infalível que tinha acabado de ter para ganhar sempre na roleta:
- Fazemos assim: Aproximamo-nos duma mesa de roleta, uma qualquer.
E foi o que fizemos.
- Agora, pensas no número em que apostarias se jogasses. De cada vez que não calhar somas cinco euros, que foi aquilo que poupaste. Ao fim da noite, tens uma pequena fortuna. Queres ver? Eu agora apostava no... dez!
Enquanto dizia isto, o senhor que tomava conta da mesa parou de aceitar apostas e pôs a roleta a rodar. Atirou a bolinha lá para dentro, aguardámos ns momentos e... calhou o dez. Olhámos um para o outro:
- Vamos embora?
- Sim. Vamos embora.