- A senhora da DGV - dizia-me ela com a mão direita no peito sobre o coração - é uma alma pura e boa como há poucas! Porra que eu até fico emocionada quando falo nisto, palavra de honra!
- Mas a senhora falou como a funcionária da DGV?
- Não - respondeu-me ela já a começar a chorar - mas ela escreveu-me uma carta tão linda!...
- A DGV escreveu-lhe uma carta bonita???!!!
- Sim! - respondeu ela já a limpar as lágrimas com um lenço de papel reutilizado - Ai, até me arrepio toda! Veja!
Estendeu-me um ofício do IMTT, ex-DGV. Era um texto lacónico, assinado pela responsável local, onde se informava que a destinatária deveria dirigir-se ao Registo Automóvel a fim de autorizar a mudança de proprietário dum veículo que se encontrava em seu nome para o nome doutra pessoa, cujo nome constava abaixo.
- É ou não é uma senhora honesta? - perguntou-me ela com os olhos vermelhos da emoção.
Eu, sem saber o que dizer perante um sentimento tão arrebatado, optei pelo silêncio.
- Sabe minha senhora, - continuou ela - eu ofereci em tempos uma mota ao meu ex-namorado, que vivia lá em casa. Só que depois a gente zangou-se, ele saiu de casa, mas deixou lá a mota.
- Sim...
- Entretanto apareceu lá uma mulher a dizer que me queria comprar a mota. Que me dava quinhentos euros por ela (era uma mota quase nova! Impecável!). Então eu disse "Não! Quinhentos não quero! Quero quatrocentos que foi o que me custou e eu não fico com o que é de ninguém só o que é meu!". Está-me a compreender?
- Sim...
- Então ela disse-me "Então dou-lhe quatrocentos, mas deixe-me levá-la a um mecânico meu amigo para ele ver", e eu deixei. E depois ela disse "Ah! Mas tem que me dar o livrete, porque posso apanhar a polícia pelo caminho", e eu deixei. Está-me a compreender?
- Sim...
- Então ela não apareceu mais nem me trouxe o dinheiro, e depois eu fiquei a saber que era a nova namorada do meu ex-namorado, está-me a compreender?
- Sim...
- E ele vai, foi à DGV para mudar a mota para nome dele, o malandro! Está-me a compreender?
- Sim...
- Mas a senhora da DGV, que é uma santa senhora, graças a Deus (ai que eu até fico arrepiada quando falo nisto!), botou a mão à consciência e mandou-me esta carta a avisar-me! Ainda há gente séria neste mundo, não é minha senhora?
É (pensei eu), ainda há gente séria. E gente ingénua. E gente ignorante. Muito. Graças a Deus...