Num tempo tão velho que já nem é o meu, que já tenho uma estadia razoável sobre a terra para me lembrar de coisas bem estranhas, naquele tempo em que a virgindade das noivas tinha uma cotação real no mercado de valores, aconteceu esta história.
Na noite do seu casamento, a C****, virgem de corpo mas não tanto de mente, que naquele tempo a cabeça já vagueava tanto como hoje ou talvez mais, retirou-se para o quarto de hotel com o seu recém-marido, como ditavam os costumes e sempre se fazia. Ansiosa e excitada com as descobertas que a noite lhe reservaria, trancou-se na casa de banho para se arranjar, munida de todos os segredos e truques de todas as amigas mais experientes (leia-se casadas). O perfume, a lingerie, a camisa de dormir, os cremes e até o tempo em demasia a preparar-se para impacientar o amante e se "fazer cara" uma última vez, tudo lhe tinha sido recomendado e explicado ao pormenor. Uma hora depois de entrar, a C**** saiu da casa de banho triunfante mas tímida, radiante nas suas vestes brancas, pronta para enfrentar a primeira e a última das noites de sonho antes de se tornar doméstica e parideira, como também era costume nesse tempo. Só que, ao contrário de tudo quanto lhe tinham prometido, logo que passou ao quarto, a C**** teve uma visão de horror. Cansado e gasto pelo dia agitado, pela comida em exagero, pela bebida a mais, pela cerimónia, por tudo, o marido, com o nó da gravata desapertado, deitado de costas na cama, dormia profunda e sonoramente, de tal maneira que nem quando ela bateu propositadamente a porta da casa de banho ele acordou.
Depois de alguns minutos ali especada, ridiculamente aperaltada como se fosse fazer um close-up num filme sobre a noiva de Drácula, a C**** decidiu-se. Voltou para a casa de banho e vestiu-se para sair. Depois, sentou-se numa cadeira ao lado da cama e esperou, horas a fio, que o marido acordasse. Finalmente, quando o sol já entrava pela janela, ele acordou. Olhou para ela e sorriu, como se nada fosse. Ela, seriíssima e adivinhando o que lhe ia na cabeça, levantou-se e disse-lhe, secamente:
- Que bom que já acordaste, querido! Então prepara-te e vamos sair. Já é dia!
Calcorrearam toda a cidade a visitar museus, monumentos, jardins, tudo o que havia para ver, e ele sem perceber muito bem o que se passava. Já de noite regressaram ao hotel e ela fez-lhe saber que, coitado, devia estar muito cansado, que dormisse que ela já vinha, e trancou-se novamente na casa de banho mas desta vez para ela própria dormir, encostada na banheira.
- Aquele cabrão pensava que se safava assim! - contava a C**** em grupos de amigos, muitos anos depois, sempre no meio de gargalhadas - Andou mais de quinze dias até me conseguir pôr as mãos em cima! A vingança duma mulher rejeitada é terrível!
O Tempo Entre Costuras
Há 4 semanas
13 comentários:
Fico imaginando ele, sem entender absolutamente nada, achando que tinha casado com uma maluca! :)))))
E no entanto... Terrivelmente certa!!! :))))
Ahahahaha, fabuloso!
Grande C***** :)
Pôxa vida, nem sei o que dizer. Rsrsrsrs, fiquei aqui numa tremenda expectativa como se a noiva fosse eu! Bjs.
Senhora, os homens nunca percebem nada do que lhes acontece, valha-me Deus! Lol!
Miepee, naquele tempo é que elas eram f*didas! Essa é que é essa! Lol!
Escrevendo na Pele, é que isto era uma história de suspense! Uhhh!!!
Um bom suspense em tom de castanha...
mulheres gostam de 'vingancinhas'...
Mas perdem elas um bom tempo.
Já não perco, tempo é ouro. Dormir em banheira?
nananina...
Peço desculpa por vir ocupar um espaço que é seu, com um assunto que não tem nada a ver com o teor do “post”, mas garanto que é por uma boa causa: a DEFESA DA CULTURA POPULAR. Permita-me que aqui publicite os VII JOGOS FLORAIS DE AVIS, cujo regulamento se encontra disponível em www.aca.com.sapo.pt e cujas dúvidas podem ser esclarecidas pelo 969015106.
Grato pela amabilidade, queira receber saudações culturais do
Fernando Máximo/Avis
Essa C**** teve uma sorte do caraças. Casou com um homem muito bondoso. "nesse tempo" não se podia dar a esse luxo. Tinha que o gramar. Nem que fosse à porrada.
Pelo menos é o que tenho "ouvisto" dizer.
Não importa em que tempo seja cá "nozes" gostamos de ser valorizadas. E nunca deixámos de ser vingativas (sempre com justa causa, obviamente)
Amei esta história!!!
A vingança tanto se serve fria... como 15 dias depois!
Mai, uma boa vingança nunca é perda de tempo!!! Lol!!!
Fernando, sempre às ordens, jogos florais é comigo! :)))
Kuka, acho, não tenho a certeza, que nesse tempo já havia gajos decentes.
Taralhoca, está tudo dito! :)))
Obrigada Nós os Cachorros! :)))
mfc, como é que aquilo correu 15 dias depois não sei...
:)
Assim é que é! Definir logo as regras no início, ou a coisa descamba logo para o torto.
A história é óptima.
Kuka, olha que isto se calhar não foi assim também há tanto tempo como isso, e nem sempre as coisas se passavam 'à porrada' - coisa que ainda hoje como sabemos se passa muito, e em várias classes sociais... Sempre houve de tudo.
Falando um pouco a sério sobre uma história a brincar, o certo é que a pedra de toque numa relação é o respeito mútuo. A noiva sentiu-se 'desrespeitada' com aquela bebedeira num dia importante e a resposta foi excelente!
O Kuka é um radical!
Enviar um comentário