quinta-feira, 23 de abril de 2009

O meu pai estava na guerra em Angola e eu ainda não sabia ler. Mas as veladas insinuações que ouvia aqui e ali aos adultos sobre os "embrulhos" dos soldados portugueses com as pretas (era assim que se dizia) e a consequente produção de pequenos mulatinhos que já inundava o território ultramarino, comecei a preocupar-me.
Como disse, ainda não sabia ler. Mas, perante a hipótese de me aparecer um irmãozinho escuro um dia em casa a fazer-me concorrência, não quis deixar de fazer chegar a minha mensagem ao destino. Peguei numa folha de papel e produzi a minha primeira obra-prima do regime: Uma menina branca com vestido de princesa (que era obviamente eu), dava pauladas na cabeça duma criatura feia com uma saia de ráfia que pintei de preto (e que era obviamente uma possível candidata a mãe do meu irmão bastardo). Muito séria, pedi à minha mãe que mandasse a "carta" ao meu pai por correio. E ela mandou.
Toda a gente na família achou imensa graça.
Mas é preciso ter em conta que isto se passou num tempo em que havia um loto da Majora para crianças que tinha uma personagem chamada Escarumbinha.

9 comentários:

Monday disse...

minha querida amiga, por esses prados cá do outro lado do Atlântico corre a fama que o homem português por demais se atrai pela pele mais escura das negras e mulatas brasileiras ...

não sei se é regra ou fato isolado, mas o caso é que a fama é conhecida ... se bem que, por algumas que por aqui desfilam com seus sorrisos e rebolados, não precisaria ter nacionalidade definida para se correr atrás delas: basta ser Homem e andar com o H em dia ...

cereja disse...

Mas não é normal?...
Afinal terias mesmo que ter ciúmes, não é? O pai longe e essas insinuações! Mesmo que com irmãos, de pai e mãe é normal e 'saudável, sentir-se ciúmes, quanto mais num caso desses.
O teu «irmão preto» ser horroroso, era uma sorte porque coincide com as imagens e metáforas conhecidas. Por algum motivo os anjinhos têm túnicas e asas brancas e os demónios se vestem de escuro ou vermelho.
O «escarumbinha» é mais irritante por haver um tonzinho proteccionista, que esse sim é racista e insuportável.

Taralhoca disse...

Quando se trata de pôr a milhas uma potencial madrasta não há cá racismos. Seja ela branca, preta ou amarela. É pauladas e já está, mesmo que só no papel.
(até porque imagino que se a guerra fosse na Suécia a criatura feia do desenho seria loira e com mais que uma saia de ráfia por trapito)

Gi disse...

Isso porque tu ainda não conhecias as "delícias" da arte vudu, ou arranjarias uma boneiquinha preta que espetarias e esmurrarias a teu bel-prazer.

papagaio disse...

bem um irmao ou uma irma extra ate nao fazia mal nenhum....se eu fosse filho unico a esta hora os meus irmaos nao tinham as cicatrizes de quem era o rei da sanzala.....

Castanha Pilada disse...

Monday, isso é mesmo coisa de homem, só que o que não tem. Que se há-de fazer?

Sim Emiele, Escarumbinha é muito mau. Mas na altura a gente achava normal.

Lol Taralhoca, eu também sou madrasta! :)))

Por acaso não Gi, só vi o meu primeiro filme do Romero alguns anos mais tarde.

Eu não sou filha única Papagaio. Tenho um monte de irmãos.

Anónimo disse...

Quando meus pais se separaram e soubemos que já tinhamos um irmãozinho, a primeira coisa que fizemos foi querer conhece-lo. Até hoje, os 3, do lado de lá, são os mais mimados, principalmente pelos irmãos do lado de cá! :)))

bell disse...

Também no meu imaginário de criança existem essas figurinhas com a saia de ráfia. No meu caso é devido a um livro "Laila e o leão bebé".

É engraçado ver como na tua inocência de criança representaste a situação.

Castanha Pilada disse...

Senhora, isso é muito fair-play. As minhas homenagens.

bell, eu comia o que me davam, é assim...