sexta-feira, 27 de março de 2009

Andava no nono ano de escolaridade e estávamos nos anos setenta. Recolhia convictamente assinaturas para a "Associação de Amizade Portugal-China" e acredtava na revolução e na sociedade sem classes. Tinha umas botas da tropa e usava camisas velhas do meu pai sem colarinho. Era o que se poderia chamar uma "Marxista Inocente", nesse tempo havia imensos, como agora há dreads, freaks, góticos e outras espécies. Também eles não sabem muito bem o que procuram e um dia hão-de rir-se ao de leve das suas recordações de adolescência, sabendo que a vida, afinal, não é assim tão séria porque ninguém sai vivo dela. É normal e saudável.
A professora de português mandou escrever um pequeno conto e eu escrevi. Escrevi-o com tanto fervor revolucionário que no fim até chorei comovida. Era sobre uma criada de servir analfabeta a engravidada pelo patrão imperialista que se suicidava num final grandioso e dramático, provando por A mais B que só uma destruição total dos valores capitalistas e a sua substituição pelo comunismo poderia salvar a humanidade. Acho que tinha visto essa história aqui e ali aos pedaços. Talvez nos "Verdes Anos", talvez nos discursos dos camaradas, talvez no Corin Tellado uns anos antes.
O que eu sei é que o meu conto foi um escândalo no liceu. Não porque a mocinha morria, não pela ideologia de extrema-esquerda mal atamancada, mas por causa de duas linhas em que eu descrevia a ida do patrão ao quarto da criada a meio da noite. Cena totalmente saída da minha imaginação fervilhante que na realidade nunca tinha praticado tal coisa.
A professora disse-me:
-Escreves bem, mas tens que ter cuidado com os conteúdos.
E deu-me suficiente mais.

11 comentários:

cereja disse...

O Corin Tellado não ajudou? talvez não, que também era muito 'teórico' e por aquilo que aqui dizes, a descrição devia ter um toque de realismo...
Bravô!!!

....

Imagino as tuas colegas :)))
Mas há uns romances neo-realistas (os mauzotes, é certo) que andam perto desse teu conto.

Anónimo disse...

Uuuuuiiii... :)))
Fico imaginando a cara da professora lendo... e pior: gostando! :)) (ou seria melhor?)

Acho que vou convidá-la para participar em um certo blog... ;)

bjs

Miepeee disse...

Nessa epoca a sensura estava sempre a espreita :)

Castanha Pilada disse...

Emiele, sim , os mauzotes, lol! Mas eu era principiante! :)))

Senhora, estava tão inocente... mas tão inocente meu Deus! A senhora é que devia ser hiper-sensível!

Miepee, nesse tempo, oficialmente, já não havia censura. Era o tempo da liberdade nova. Mas mais para nós, os putos, muito mais abertos a absorver as mudanças. Os mais velhos nem todos conseguiram adaptar-se a um modo diferente de viver. Não depois de tantos anos.

F Nando disse...

Há sempre histórias da escola, recordo uma que se passou comigo, numa composição disse a páginas tantas de que o conteudo era acessível a qualquer alfabeto...
Na realidade queria tão simplesmente dizer que era acessivel a quem soubesse ler. Não imaginas a confusão até porque estava no contexto. A prof dizia que não era correcto eu a dizer que sim pois se analfabeto era uma pessoa que não sabia ler o contrário tambem se podia aplicar. A determinada altura a prof diz que esse significado não vinha no dicionário, naquela altura tinhamos dado Manuel Alegre e o "Poemarma", e como tal não aceitava então eu pergunto:
- E "Poemarma" também não vem no dicionário!
- Isso é para pessoas com cultura não é para ti!
- E quem diz que eu não sou culto?
Risada geral e a prof acabou por aceitar!

Luís Maia disse...

Pois é camarada, ainda não sei se nessa altura seriamos amigos ou andávamos ao estalo, assim tão pró-China só MRPP ou UDP

Mas o que a professora queria dizer por certo era não tanto sobre os conteúdos, mas sob a forma de como os aprender. (invejosa)

Castanha Pilada disse...

FNando, se fosse hoje tinha dado porrada!

Luís, eu era super-fã do MRPP. Era deles e dos Pink Floyd. Porquê, não sabia bem. E a professora, tadinha, era uma senhora muito beata e que ainda estava a tentar perceber o que se passava.

Luís Maia disse...

Sabes o que tu és BURRA

Tinhas um camarada que também era fã do MRPP e o hoje é o sr Europa.

E ti se calhar nem vogal da tua junta de freguesia. Há pessoas com muita falta de talento

Bem me parece que tínhamos andado ao estalo

Castanha Pilada disse...

Pois... Houve aí qualquer coisa que falhou no meu percurso. Já sei! Não me inscrevi num partido nem lambi as botas a ninguém!

Gi disse...

Eu ainda hoje gosto muito de Pink Floyd, não me consta que eles tenham pertencido ao MRPum Pum.

Quanto à tua composição ela não peca pelo conteúdo, mas sim pela forma. ;)
Professora tonta, essa.

Castanha Pilada disse...

Eu acho que não pecava por nada, só pela ingenuidade.