Uma das experiências mais traumáticas que tive nos meus contactos com a igreja foi o baptizado da minha filha mais velha, ao qual tive que aceder por grande pressão do pai e respectiva família. Na altura pensei que, não trazendo nada de bom, mal também não faria. Pensar assim é uma das defesas possíveis do derrotado. E foi imbuída desse espírito que eu me dispus a dominar o meu estômago e frequentar as reuniões de preparação para o evento, na sé catedral da paróquia mais "bem" da cidade. Logo na primeira sessão, tivemos direito a um casal de beatos que piedosamente acedeu a partilhar connosco a sua imensa experiência e sabedoria de família cristã. E lá estava eu, sentadita numa cadeira a ouvir a récita e na verdade à espera que acabasse para ir embora. Só que aquilo que me fizeram nesse dia foi muito, mas muito pior do que poderia ter imaginado! Foi medonho! Não é que o prelector tinha escrito um texto sobre "a família e a educação dos filhos na doutrina cristã", com frases do género "quem vive em Deus escolhe amar" e "um coração decidido a amar acolhe Deus no seu seio" e outras que não me lembro, e foi ler aquilo enquanto a mulher, ao fundo, fazia avançar uma demonstração de slides com fotografias deles próprios?! Sim, juro! Fotos deles num churrasco, fotos deles a dar banho ao cão, fotos do casamento deles!... Tudo isto ao ritmo monocórdico dum texto imbecil lido por um lerdo! E acreditem, se se tratasse de duas pessoas de aparência normal, ainda mal o menos! O problema é que ele tinha os dentes de fora e uma franja e ela, era gorda, usava collants brancos e vivia permanentemente com um sorriso estúpido na cara, como se lhe estivessem a fazer cócegas e tinha um penteado em forma de capacete! Eu comecei a ver a minha vida a andar para trás e tentei pensar em coisas muito tristes. Baixei os olhos de modo a ver apenas os meus próprios joelhos e concentrei-me no funeral da minha mãe que até hoje felizmente ainda não morreu. Tentei ver-me a seguir o carro fúnebre com lágrimas nos olhos. A minha mãe, coitadinha, que não tinha visto crescer a netinha!... E acreditem, eu estava mesmo quase a conseguir. Se não fosse o palerma ter elevado a voz, a um determinado ponto da prelecção, e ter dito com elevação poética que "a família cristã é aquela em que Deus é reconhecido como objecto supremo" enquanto mostrava uma fotografia dele e da mulher a comer arroz de frango num piquenique, eu tinha conseguido chegar ao fim sem me rir. Assim, não deu. Nessa altura eu desmanchei-me numa gargalhada que já estava apertada na garganta desde que a minha mãe tinha ficado tuberculosa coitadinha... uma daquelas gargalhadas que quer sair mas ao mesmo tempo não quer e acaba por adquirir a forma dum cruzamento entre riso e espirro.
Toda a gente ficou a olhar para mim enjoadíssima, fiquei mal vista, e a minha sogra nunca me perdoou.
O Tempo Entre Costuras
Há 4 semanas
7 comentários:
Quando se fazem coisas contra vontade é sempre complicado!! Beijinhos. Vou estar ausente uns dias.
:)))))
A descrição do casal é tão minuciosa que eu voltei a leitura só para "ver" a cena toda. :))
Dessa, de batismo, escapei maravilhosamente. E por pouco, muito pouco, a sogra fica magoada comigo.
bjs
Fizeste muitíssimo bem... não era caso para menos!
Castanha! Nem imagina como me ri a ler este post. Adorei o truque do funeral da mãe. "gargalhada que já estava apertada na garganta desde que a minha mãe tinha ficado tuberculosa coitadinha..." Lindo!! :D
Paula, é muito difícil :)
Senhora, eu não escapei a quase nenhuma destas cenas. Até pela igreja casei... uma vez!
mfc, fiz muito bem desmanchar-me e fazer figura de parva???
Divagações, eu uso muito esse truque, mas nem sempre funciona.
Castanha, eu estive uns dias sem comentar, mas fui lendo, hoje com mais vagar, não resisto a dizer-lhe - a Castanha, conhecedora e praticante do "método", tem tudo para ser uma grande actriz e mais, da minha experiência e do que me contam, seriam poucos os actores que resistiriam a tal "provação" sem desatarem a rir "a bandeiras despregadas":))
A história é extraordinária, surrealista...a fonte (de inspiração), deu uma ajudinha - lá isso...:))
(o meu percurso foi muito semelhante nessas andanças - só baptizei o 1º mas, só por causa da sogra, o pai da criança, aí, estava inocente)
Ui! Eu como actriz ia ser um espectáculo! Lol!
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