terça-feira, 26 de maio de 2009

Houve um tempo, não há muito tempo, em que as crianças à mesa não podiam dizer que não gostavam da comida, sendo que afirmar que a mesma era "uma porcaria" configurava um crime punível com umas boas palmadas e uma ida para a cama mais cedo. Mesmo os adultos não se atreviam a fazer declarações desse teor sob pena de não se darem ao respeito devidamente. Assim era quando aconteceu esta história e só por isso ela aconteceu desta forma.
A minha mãe tinha comprado uns peixinhos muito muito pequeninos para o jantar. Tão pequeninos que quem não soubesse jamais adivinharia que se tratava de peixes. Na altura não sei, mas hoje em dia é proibido pescar peixes assim bebés, embora haja quem o faça e, tal como naquela altura, os venda a um preço verdadeiramente exorbitante.
Mas retomando o fio da história, a minha mãe, que gostava muito daqueles peixes minúsculos e quase transparentes, passou o dia a prometer um jantar especial que seria uma surpresa para todos. Eu, gulosa como era e ainda sou, fiquei em pulgas e mal podia esperar pela iguaria.
Quando finalmente fomos para a mesa e a minha mãe serviu o jantar, eu olhei para aquilo e lembro-me que pensei qualquer coisa do género "Que raio de porcaria vem a ser esta?", mas como já expliquei, essa era uma coisa que se podia pensar mas jamais dizer nem sequer mostrar com os olhinhos. Por isso, peguei na faca e no garfo e lá tive que me fazer àquilo. Primeiro, comi as batatas todas. Mas devagarinho. Enquanto houvesse batatas no prato eu estava safa. Depois, comecei a mexer nos bichitos com o garfo, a passá-los dum lado para o outro do prato, discretamente. A seguir, enchi-me de coragem e meti um daqueles seres estranhos na boca. Mas o sacana recusava-se a passar dali para baixo e eu comecei a ficar muito aflita. Tão aflita como se tivesse uma osga em cima da cabeça ou como se me tivesse esquecido de fazer os trabalhos de casa e a professora tivesse feito queixa aos meus pais. Achei que alguma coisa muito embaraçosa me ia acontecer e decidi arriscar e tomar uma atitude. A medo, muito a medo, disse:
- Mãe... eu acho que não consigo comer isto... Faz-me lembrar... lombrigas...
E logo a seguir fiquei à espera da consequência. Baixei os olhos para o prato e pensei que "seja o que Deus quiser"! Para minha surpresa, ouvi o meu pai dizer:
- Oh M**** ****, tu tem paciência mulher, mas eu também não consigo! Eu não queria dizer nada para não dar maus exemplos mas... tu nunca mais compres disto!
E foi assim que na minha casa deixámos de cometer pelo menos um crime ecológico.

15 comentários:

Anónimo disse...

Eram «Joaquinzinhos»?! Mas isso não se come de faca e garfo, trincam-se todos!
(Tchi... o que fui dizer)
Mas de facto, sou de um tempo onde se comia tudo o que punham no prato e reconheço que me choca hoje ver na rua bocados de bolo (e com bom aspecto ainda por cima) atirados para o passeio por meninos que deram uma dentada e não quiserem mais...
Se calhar nem 8 nem 80.
Assisti uma vez a um menino, que teve o atrevimento de cuspir o que tinha na boca para o prato. Acreditem que voltou a comer tudo, mesmo o que tinha cuspido para o prato! (não fui eu, heim?!)

Mas tu safaste-te pelo gongo, sortuda!!!!

cereja disse...

Olha «o meu King» aqui... :)

Realmente em crianças engolíamos aquilo que nos mandavam e mainada! Quando muito «se não gostas come menos» mas não havia cá nada para substituir.
Mas essa da pai ter intervindo foi a sorte grande. imagino a cara da tua mãe. Tadinham fiquei com pena dela, devia ter pensado que ia ser um sucesso...

Castanha Pilada disse...

King, não. Não eram Joaquinzinhos. Eram muito mais pequeninos, aquela cena que é proibido vender. Olha, se não conheces tens sorte.

Emiele, o King é teu? :) E sim, a minha mãe fê-lo com a melhor das intenções e deve ter ficado, como se diz, na merda.

Anónimo disse...

Isso nem passaria pela porta de casa. Um dia fiz trutas e deixei as cabeças das danadas. os meninos saíram da mesa, porque não conseguiam comer olhando para elas, tadinhas... comeram ovos.

beijinhos. :)

Mariquinhas disse...

Lá em casa a comida era "entidade" sagrada e que muitas vezes se ingeria, com sacrifício,para redimir os pecados do mundo.
Agora, sensação experimentada por mim, como a das....foi quando me deram a provar enguias (coisa que nos Açores não existia), com honras de grande manjar e que eu fiquei "vexada" (termo muito usado na minha terra) com a triste figura que fiz!

Mariquinhas disse...

Será que é "petinga"? Também lá em casa se comia e realmente ultimamente não encontro.

PreDatado disse...

Não foste salva pelo gong, mas pelo pai. E a partir daí, além da redução do crime ecológico foi abolida a censura à mesa ou não?

Taralhoca disse...

Eu não diria que "sou do tempo em que...", mas à minha mãe sempre interessou pouco o tempo em que estava. O que está no prato é para comer. Mas há duas coisas, açorda e sopa de alho francês, que nem ela própria arrisca chegar ao meu prato sob pena de me ver dar cabo involuntariamente da refeição aos demais.
O resto é para ir pela goela abaixo, mesmo que a goela esteja contrariada. E não adianta barafustar.
Aplaudo a Mini Castanha Pilada por ter tido o arrojo de dizer o que o pai não se atrevia.

Castanha Pilada disse...

King e Mariquinhas,não é Joaquinzinhos nem petinga. É isto: http://www.tvi24.iol.pt/multimedia/oratvi/multimedia/imagem/id/13131107/318

Senhora, que meninos sensíveis!!! Só falta darem-lhes nomes!

Mariquinhas, aqui onde vivo, enguias são um pitéu. E eu odeio.

Predatado, não. A censura não foi abolida :))) Só mais tarde pelos netos, que fazem os que querem dos avós.

Assim é que é Taralhoca! :)))

Castanha Pilada disse...

Bem, vamos a mais uma tentativa. É isto:
http://img.directoalpaladar.com/angulas.jpg

Fantasia Musical disse...

Sou jovem e, no entanto, também as minhas filhas não cresceram podendo dizer mal da comida. É cara, custa-me imenso a cozinhá-la e, se não gostam, comem menos. Como boa entendedora, da próxima vez não repetirei a receita :)
Tal como o King, entristece-me ver hoje estragar tanta comida...

Castanha Pilada disse...

Isso de deixar estragar a comida à vontade é mais coisa de papá novo rico. Digo eu.

Nós, Os Cachorros disse...

que situação mais terrivel...
ainda bem que em minha casa minha mama nunca fez algo do tipo... rs
mas, não posso falar nada, porque eu costumava e ainda costumo reclamar de tudo...
na verdade sou chato pra comer... rs

Castanha Pilada disse...

Menino mimado!!! :)

Gi disse...

Eu até à petinga e aos joaquizinhos ainda ocnsigo comer. Ainda há mais pequenos? Gupis?