A minha casa de infância, onde agora se erguem blocos de apartamentos, era o símbolo vivo do fim duma era e do começo de outra. Só mais tarde me consciencializei disso.
Era uma casa rural, daquelas com uma porta que só se abria na páscoa para entrar o prior e um portão ao lado que dava para o quintal, sempre aberto a todos os que quisessem vir perguntar se havia um pé de salsa, e que era na prática a entrada da residência.
Ficava à beira duma estrada nacional que atravessava uma aldeia às portas da cidade. Por isso, ainda passavam por lá pachorrentos carros de bois, que deixavam à sua passagem suculentos montes gigantescos de bosta campesina. Também passavam carros, que começavam na altura a vulgarizar-se. E tal como hoje, já os homens da classe média (as mulheres que tinham carta ainda eram motivo de animada discussão) faziam do acelerador uma compensação das suas frustrações diárias. E era essa alternância constante entre bois e máquinas na minha rua que provocava grandes disparos de bosta fresca contra as paredes das casas, cujas fachadas era necessário mandar lavar com frequência.
É verdade. A frontaria da minha casa de infância, sempre cagada por pneus que chiavam por cima da bosta fresca, era o símbolo vivo do fim do Portugal rural do livro da terceira classe.
O Tempo Entre Costuras
Há 4 semanas
7 comentários:
Calculo que fosse mesmo assim como contas, na aldeia. São preciosas as tuas histórias. Obrigada por as partilhares aqui, connosco. Beijinhos.
Era assim mesmo Paula. :)))
Eu achando tão lindinha e fresca a paisagem e memória... e daí... daí o carro passa por cima da bosta e suja tudo! :) Muito malvada! :))
beijinhos
A casa e toda a "envolvência" são-me muito familiar e o livro da 3ª classe (no "Estado Novo", os livros escolares, passavam por várias gerações), terá sido o mesmo que o meu (eu fiz a 3ª classe em 1965, ups, já revelei a minha idade)?! Há uns 5 anos, um amigo meu, por graça, ofereceu ao meu filho mais novo uma reedição desse mesmo livro, deixo uma pequena passagem:"A Joaninha, logo que se levanta, lava-se, penteia-se, veste-se e calça-se. Quando vai dar os bons-dias aos pais, quase sempre a mãe lhe compõe um pouco melhor o laço da cabeça. Reza as suas orações, almoça e vai para a escola. Pobrezinha, mas muito lavada, vestido sem nódoas nem rasgões, é um encanto vê-la... (lição “A Joaninha”, pag.11)
(Hoje em dia essas "casinhas" são tão apreciadas.)
Lol Senhora, a vida tem destas coisas.
Foi exactamente o mesmo livro Mariquinhas. Que aliás já tinha sido o mesmo da minha mãe. E eu só fiz a terceira uns anitos mais tarde, não muitos. :)
Começo a entender porque não aprecias assim tanto o campo...
Não cheira assim tão bem, nalguns sítios
:)
Mas eu até aprecio! De fugida!
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