sexta-feira, 26 de junho de 2009

A rapariga ia lendo na revista feminina de cor sépia pousada na mesinha de cabeceira, as técnicas para saber se tinha celulite, coisa que a indústria da moda e dos cosméticos tinha começado a tornar impopular e odiada embora quase ninguém soubesse o que era ou fosse capaz de reconhecê-la.
"Coloque ambas as mãos na coxa e aperte com força". Ela ia lendo e seguindo as instruções. "Verifique se a pele adquire o aspecto de casca de laranja". Ela olhou para o pedaço da sua própria carne apertado firmemente entre as mãos. Assim asfixiada e quase a ficar branca devido à falta de circulação, não conseguia ver ali qualquer parecença com casca de laranja, nem tão pouco imaginar como seria uma coxa com aspecto da dita fruta. Intrigada, resolveu tentar de novo. Desta vez apertou com mais força. Entre as mãos estava uma coxa adolescente, de novo muito branca e a formar algumas pequenas pregas devido à enorme pressão a que estava sujeita, embora quase imperceptíveis. "Aspecto de casca de laranja não deve ser na cor" - pensou ela - "deve ser por ficar assim a formar uns risquinhos... Quer dizer, a casca de laranja não tem risquinhas, mas deve ser em sentido figurado."
Sentou-se na cama e voltou a ler o texto na página dobrada para trás da Crónica Feminina. Levantou-se e resolveu tentar outra vez. Olhou, pensou, olhou, pensou, olhou, pensou e começou a ficar levemente angustiada. Continuou a leitura: "A celulite afecta cerca de 95% das mulheres e é ruinosa do ponto de vista estético". Noventa e cinco por cento! Estatisticamente, ela tinha celulite! A angústia aumentou. Só podia ter. Apertou a coxa de novo e agora já era capaz de jurar que conseguia ver pequenos monstros remexendo-se diabolicamente debaixo da pele. Tinha celulite!
A partir daí, passou a usar sempre blusas ou t-shirts muito compridas para que ninguém notasse e só ia à praia de calções. Quando a interrogavam sobre essa opção, dizia que tinha frio. Durante anos a fio nunca foi capaz de ver que o seu traseiro era diferente dos traseiros que via na praia e que pareciam ter crateras e vida própria, nem nunca se lembrou de pôr a hipótese de isso, sim, ser celulite, e não o seu rabo formado por duas meloas lisas e duras.
Só descobriu isso muitos anos mais tarde, quase com quarenta anos de idade. E foi preciso alguém lhe dizer.

9 comentários:

Anónimo disse...

Uau!!! E com 40 anos sem celulite? Ela faz parte dos 5% esteticamente maravilhosa! :))

bjs

Castanha Pilada disse...

Senhora, é assim: Ninguém tem só defeitos.

Mariquinhas disse...

Deve ter "ficado com um melão" daqueles...Essas revistas transtornam qualquer pessoa; ainda bem que não as leio, senão andava de burca!!!

kuka disse...

Acho que é aconselhável uma segunda opinião.
Bota aí uma foto.

bell disse...

São os malefícios da leitura.

Castanha Pilada disse...

Mariquinhas, nem eu! Pelo menos hoje em dia.

Obrigada Kuka, és um querido. Mas acho que não é preciso, ela já pediu várias opiniões.

bell, nem mais! O melhor é só ver televisão!

cereja disse...

Era informação a mais, tá visto.
E esses «consultórios de beleza» ou lá o que é, nunca dizem «Mas que linda que és! Não mexas em nada que assim é que estás bem!» seja onde for, sugerem sempre um 'aperfeiçoamento'. Já tenho penado como serão as 'conselheiras'...

Paula Raposo disse...

É verdade! Muitas coisas só descobrimos muito mais tarde. Ainda a tempo, felizmente...beijinhos.

Castanha Pilada disse...

Emiele, penso muito isso também, por acaso.

Paula, é porque nos enganam toda a vida com publicidade enganosa!