quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Era na porta da mesinha-de-cabeceira, aquele local insuspeito que não muitos anos antes só servia para guardar o bacio, que o meu pai escondia as leituras proibidas. Descobri isso numa das vistorias que fiz à procura das prendas de Natal e que acabou por ter um resultado muito mais suculento. Nem me lembrei mais das averiguações que levava a cabo para saber se sempre ia receber um gira-discos ou uma máquina fotográfica. O achado que tinha acabado de fazer bem mais importante. Os meus pais não estavam em casa nesse dia e a única pessoa que estava a tomar conta de mim era, felizmente, fanática por tachos e afins, pelo que dificilmente sairia da cozinha para vir à minha procura. Então, sentadinha no tapete de "carpélio" cor-de-rosa, calada como um rato, eu fui descobrindo o mundo naquele tempo inacessível das anedotas muito sujas, fotografias inqualificavelmente e chocantes e Vilhena. Sim. Acima de tudo apaixonei-me por Vilhena. Pelos textos irrepreensivelmente bem escritos a contrastar com o conteúdo escandaloso, pela crítica ácida e pelos desenhos perfeitos. Imaginei, sem o conhecer, que por trás daquelas criações refinadissimamente abjectas, estaria um cavalheiro, e isso anulava o sentimento de culpa. Voltei muitas vezes àquela mesinha-de-cabeceira, sempre que os meus pais saíam. Apenas sabia que tinha que decorar sem falha o lugar de cada livro e de cada revista, e o lado para o qual estavam voltados, para depois voltar a arrumar tudo exactamente como estava. O meu pai era muito meticuloso!
O que eu não aprendi sentada naquele tapete cor-de-rosa!...

9 comentários:

Mariquinhas disse...

Ah o que escondiam essas mesinhas de cabeceira, pós bacio, sim, porque este objecto não me deixou saudades:))
O Vilhena não havia lá em casa, mas, lembro-me de encontrar "A Religiosa"
de Diderot - o meu irmão andava a ler às escondidas, dos meus pais ele já devia ter 15 anos e eu 13, tivemos uma educação um pouco rigorosa neste sentido, volta e meia eu espreitava e lia mais umas páginas, confesso, na altura fez-me muita impressão e desisti.
Nem já adulta eu o quis ler, mas, vi o filme realmente é um tema muito forte.

Castanha Pilada disse...

O equivalente a isso foi quando eu li "O Último Tango em Paris": Voltei à cena da manteiga vezes sem conta, sem acreditar no que estava a ler. :)))

saltapocinhas disse...

Eu não tive essa sorte porque na minha casa não havia livros: só o jornal do sindicato do meu pai, e não estava escondido.

Castanha Pilada disse...

O jornal do sindicato devia ser uma excitação! :)))

Anónimo disse...

Eu li um livro roubado do irmão de uma colega. Ela o roubava e trazia para a escola e líamos juntas. E levava embora e voltava para debaixo do colchhão do moleque. Bons tempos... :)

cereja disse...

Deve ter sido uma excitação! Mas o teu pai era um tanto ingénuo porque aí seria o primeiro sítio a procurar, se fosses mais crescida e experiente...
Eu continuo a imaginar que na minha casa não havia disso (ou semelhante) porque a conhecia muito bem e nunca vi nada.
O que lia às escondidas eram os policiais da Vampiro, exactamente porque diziam que não era para a minha idade! Lia, debaixo dos lençóis, quando ia para a cama o que inevitavelmente me provocavam pesadelos!!!

Gi disse...

Ai os livros escondidos que eu li!
Em nossa casa estavam no alto das estantes e com as lombadas viradas para trás. ;)

Bem me parecia que gostavas muito do rosa. ;) (Piada privada, não é? )

mfc disse...

Eram leituras obrigatórias...

Castanha Pilada disse...

Senhora, também tive colegas que levavam literatura roubada aos irmãos mais velhos. Mas eu era a mais velha, não tinha nada disso.

Emiele, isso eu adorava, ler histórias de terror antes de dormir! Só que depois ficava com tanto medo que nem ia à casa de banho a meio da noite se precisasse.

Gi, nesse tempo o PS era vermelho! :)))

mfc, claro. Faziam parte.