segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O calor. O pátio coberto por um pérgola de videiras. Os pés de piri-piri a rebentar de malaguetas vermelhas. Os coelhos fofinhos. As galinhas tolas a lançar penas por todo o lado quando lhe atirávamos pedras à socapa. O baloiço feito pelo meu avô debaixo da figueira. O telheiro. Os raminhos de chá a secar debaixo do telheiro. As árvores de fruto. As frutas carnudas com cheiros doces. As filas de alface a delimitar talhões de tomates, pepinos e cenouras. Os poços e as bombas manuais de tirar água fresca. Os gafanhotos verdes. As lagartixas verdes. As lagartas da couve. As couves onde nasciam as crianças mas só quando eu não estava a olhar. A relva com a roupa a corar. A minha mãe a bater nos tapetes pendurados com uma raquete. o tanque enorme. O milho. A terra. Os nossos brinquedos espalhados no pátio. O triciclo. O Anglia bege telecomandado do meu irmão. A minha boneca espanhola que dizia "te quiero mucho". O muro alto. As pedras salientes onde nós subíamos o muro alto para espreitar a rua. O alecrim. A erva-doce. A tília. Os gatos vadios. A casa amarela de janelas grandes viradas ao sol. Os meus vestidos frescos. As minhas sandálias azuis e brancas. As floreiras no corredor. A colcha bordada a lã de muitas cores. As moscas furiosas. As tiras à porta a travar as moscas. Os lírios. Os malmequeres. Os grilos a cantar nas noites quentes. A roupa a secar. O meu avô a matar coelhos para o jantar. A minha tia a matar galinhas. Eu a fugir para dentro de casa para não ver morrer os coelhos nem as galinhas. Eu a acariciar o pelo dos coelhos mortos como se lhes aliviasse a dor que já não tinham. O calor.
Recordações de verão numa casa que já não existe numa aldeia que já não o é.

9 comentários:

Paula Raposo disse...

Memórias lindas! Tenho algumas parecidas...beijinhos.

Anónimo disse...

Puxa... Até eu fiquei com saudades disso tudo!...

cereja disse...

Que maravilha, Castanha Pilada.
Também revivi (no meu caso) os meses de férias. Tantas saudades...

Unknown disse...

Impressionante até comecei a cheirar os meus verões de menina. Só que ainda hoje parte do meu verão passa por algo muito semelhante, divinal!!!

mariabesuga disse...

Tenho memórias quase assim de quando era menina.
Fantástico lembrar...

O triciclo do meu irmão...
Os doces...
Os grilos... (punhamos um pastinho dentro do buraco e os grilos subiam por ele e o meu irmão procurava-lhe as mamas para ver se era grilo ou grila...)

Ainda existe a casa e a mãe na casa na aldeia que é vila mas que já não significa grande coisa...

Beijinho Castanha.
Continuamos a fazer a festa sem ti... já percebi que não é a mesma coisa. ;)

Taralhoca disse...

A casa existe, a aldeia ainda está lá. Mas até eu fiquei nostálgica.

Gi disse...

Isto até parece a tua vers~~ao das "Águas de Março" da Elis Regina.

Mariquinhas disse...

Felizmente também tenho algumas memórias "dessa" infância e ainda consigo encontrar por aqui resquícios disso, eu é que não tenho a mesma inocência e isto faz diferença.

Castanha Pilada disse...

Paula, são memórias vulgares. Como as de toda a gente.

Lol Senhora!

Emiele, isto de vez em quando dá-me mas depois passa.

Su, e os cheiros deixam tantas memórias...

mariabesuga, obrigada por terem feito a festa sem mim :)

Taralhoca, no meu caso as provas físicas esfumaram-se :)

Lol Gi, bem visto.

Faz bastante diferença Mariquinhas.