Duas crianças corriam uma atrás da outra por entre as mesas. Gritavam muito como se não houvesse amanhã. Ninguém ligava excepto nós, que concordávamos na necessidade de pregar dois estalos nos fedelhos para que parassem de importunar os demais. Os pais nem os viam. Sentados à volta duma mesa com muitas cervejas a que chamam cañas e alguns amigos, conversavam também animadamente, com o mesmo furor com que em Portugal se vende cobertores e colchas nas feiras com microfone, nunca numa conversa de amigos. De vez em quando ouve-se um "Mira!", um "Venga!" um "Hombre!"ou um "Vale!", mais sonoros ainda do que o resto da conversa. A empregada corre debaixo dum calor insuportável para conseguir atender toda a gente. Levanta as mesas e atira para o chão guardanapos usados e pacotes de açúcar vazios que são levados pela brisa que corre a espaços. Os pacotes de açúcar são enormes. Davam para três cafés dos nossos, mas não para os cafés con leche de quem mata toiros na arena, berra desesperado nas procissões ou atira toneladas de tomates aos vizinhos numa festa. Tudo tem que ser maior, mais dramático e mais exagerado. Acho que um espanhol chora tão desesperadamente por morrer a mãe como por perder um guarda-chuva. Ri com tanta alegria por ganhar a lotaria como por ter chegado sexta-feira.
Os miúdos pararam de correr. Estão agora a um canto a fazer negócios de "cromos", que vão separando em montinhos de "Ja lo tengo" e "No lo tengo". A lenga-lenga deve ouvir-se até ao fim da rua, mas eles não têm culpa. É impossível dizer "No lo tengo" com a discrição com que se diz "Não tenho". "No lo tengo" tem que levar um ponto de exclamação no final, e a palavra "tengo" tem que ser dita com a música dum flamenco. Imagino a lenga-lenga dos pivetes acompanhada de bater de pés no chão e palmas. Aaaaaaiiiiiiiii!!! Que vontade de rir!
(continua)
O Tempo Entre Costuras
Há 4 semanas
7 comentários:
Já vi cenas semelhantes por aqui. Faladas em português e com criancinhas a correrem aos gritos por entre as mesas...beijos.
:))))
Adoraria que viesse para o Brasil e fizesse suas impressões-narrativas.
Evidente que teria que visitar todos os Estados. Tire umas férias bem grandes! :)
bjs
Que delícia essas tuas crónicas (eu chamo-as assim) e continuam... que bom! Através de ti tenho revisitado Espanha estou a gostar imenso, e é assim, como relatas, que me recordo dela - barulhenta, espalhafatosa, mas, também alegre e amistosa...
Paula, semelhantes, mas nunca iguais. Em Espanha são inconfundíveis.
Senhora, quem sabe um dia, se eu perder o medo de aviões, lol!
Mariquinhas, Espanha é uma explosão de tudo :)))
Adoro as suas histórias!! Esta dos espanhóis particularmente, este fim-de-semana tenho a "casa" cheia deles!
Boas férias!
Então e correu bem o fds? Com muito salero? :)
Magnífica a tua história cheia de cor.
Assim como a Espanha.
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