quarta-feira, 10 de junho de 2009

O brasileiro à minha frente, pastor duma mediática organização religiosa, fez a abordagem tratando-me pelo nome próprio que me leu no crachat, numa atitude própria de quem é profissional no relacionamento com os outros.

- Olha Dona *****! Eu trago aqui um problema para colocar para a senhora!
- Faça o favor de dizer.
- Eu pertenço a uma religião e, quando o povo não vai à igreja, a igreja vai ao povo.
- Sim?...
- Nós queríamos fazer uma recolha de almas. A senhora poderia me dizer como devo proceder?
- Recolha de almas? Podia ser mais específico?
- É basicamente isso, recolha de almas. Precisa licença?
- Depende. Como vai ser feita essa recolha?
- É assim uma coisa feita num local. Um local que vocês pudessem disponibilizar para a gente. A gente paga o que for preciso, claro!
- Mas que tipo de local? Um local fechado? Um local na via pública?
- Não! Não na via pública! No passeio! (É muito comum as pessoas acharem que via pública é só a estrada e não os passeios)
- Muito bem. E o que pretendem fazer?
- É como lhe disse, recolha de almas.
- Ai a minha vida a andar para trás!- pensei.
- Mas como vão fazer essa recolha. Vão ter algum tipo de instalação? Uma banca? - perguntei.
- Não, nada disso! Apenas uma pequena bancada com prospectos!
- Certo. E vai haver actividade ruidosa?
- Não, imagina! Apena uma pequena aparelhagem sonora e uns jovens entoando cânticos a Jesus! Não pode fazer isso?
- Pode, claro! A liberdade religiosa é um dado adquirido! Mas terá que solicitar uma licença.
- Tudo bem, o que precisa fazer?
- A música é vossa? Pode haver lugar ao pagamento de direitos de autor.
- Imagina! A música não é de ninguém, é de Deus!
- E ele registou a música na SPS? - apeteceu-me perguntar, mas não perguntei.
- Pronto - adiantei - então a primeira coisa que tem a fazer é ir à Sociedade Portuguesa de Autores e informar-se sobre a necessidade ou não do pagamento de direitos para difundir essa música em espaço público. Ao mesmo tempo, requer aqui a licença para o evento.
- Mas não é um evento! - interrompeu ele -É uma recolha de almas!
- Certo, então o senhor requer aqui a licença. Pode utilizar este requerimento, que é o mesmo que usamos para licenciar as procissões. Riscamos aqui o que não interessa, que é a interrupção do trânsito.
- Não! Imagina! Não é uma procissão! Uma procissão é um ritual católico sem qualquer significado! Nós fazemos recolha de almas!
- Certo, então aqui onde diz "Outro. Qual?", o senhor escreve o que entender. Mas deixe ficar um contacto telefónico para o caso de haver dúvidas por favor.

7 comentários:

Kruzes Kanhoto disse...

Um chato desses não vai para o céu...

Castanha Pilada disse...

Mas eu vou.

Anónimo disse...

Recolha de almas?! E aprisioná-las?! Papai do Céu não gosta... :)

beijinhos

Luís Filipe Maia disse...

Ficará muito caro uma recolhazinha de almas na via pública ?

Curiosidade minha mas se eu mandasse cobrava um extra por cada unidade recolhida

Mariquinhas disse...

"A gente paga o que for preciso, claro!"

Aí está, um homem cheio de boas intenções, recolher as almas da crise!

Paula Raposo disse...

Mais uma história deliciosa! Beijos.

Castanha Pilada disse...

Senhora, também desconfio que não.

Luís, fica tão caro como venderes morangos ou cerejas. Tá mal.

Mariquinhas, é uma religião com um bom plafond financeiro.

Beijo Paula. :)