domingo, 14 de junho de 2009

- O burro ao contrário! Venham ver o burro ao contrário!
Era isto que berrava um homem à entrada duma tenda montada na aldeia, excitando a imaginação do público. Eram pessoas de vida muito dura que viviam longe de tudo no meio de pedras de granito. Nunca tinham qualquer divertimento a não ser, de quando em quando, um forasteiro nómada, de vida tão dura e difícil com a deles, que passava a exibir numa tenda uma qualquer criatura com uma qualquer deformidade. Por isso só mesmo os que de todo não puderam dispor do tostão necessário para pagar a entrada resistiram a ir ver o que já supunham ser um animal com a cabeça no lugar da cauda ou qualquer outro malvado capricho da natureza.
O homem da tenda recolheu o dinheiro das entradas mas manteve as pessoas todas à espera, que só podiam entrar quando estivessem as suficientes para encher o recinto e todas duma vez. O animal não se podia cansar.
Quando finalmente lhes foi franqueada a entrada, o que eles viram lá dentro foi um burro comum, virado de costas para o recipiente da comida.
Às primeiras tentativas de reclamação, o dono da tenda retorquiu veemente:
- Mas está ao contrário ou não está ao contrário?
É um facto que estava ao contrário.
Nessa mesma noite a tenda partiu para nunca mais se ver naquelas paragens e mais de metade da aldeia tinha abdicado duma quantia importante para as suas economias. Por todo o lado sabia a amargo, mas o orgulho não lhes permitia admitir que tinham sido enganados.
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Esta era mais uma história que o meu avô nos contava, entre brincadeiras. Nunca ficámos a saber se ele era um dos que tinham perdido um tostão para ver o burro. Quando lhe perguntávamos, ele sorria e virava-nos as costas. Melhor ainda, nem nunca ficámos a saber se a história era verdadeira.

7 comentários:

Anónimo disse...

Pelo sorriso dele... será que nao era o dono do burro? :)

beijinhos

Castanha Pilada disse...

Não tenho qualquer registo de o meu avô ter sido dono dum burro. Mas, quem sabe?...

kuka disse...

É lógico que a história não é verdadeira.
A ser real, o dono do burro tinha levado um arraial de cachaporrada!
Nesses tempos era assim que funcionava.

Mariquinhas disse...

Verdade ou não, a história vale pela maneira como está contada e pelas imagens que sugere, para mim, é como ver um filme.

(Na cidade onde vivia, há 40 anos, a feira anual com o carrossel, o poço da morte, a cigana lendo a sina, a senhora que chamava o cliente "Oh simpático, vai um tirinho?" e o porco cor-de-rosa de tamanho imenso que, eu fazia questão de não ver.)

Castanha Pilada disse...

Kuka, depende da zona. Isto não foi em Fafe!

Mariquinhas, ainda me lembro bem dessas feirinhas. Aliás ainda as há, mas já muito modernaças, cvom os putos a vomitar do alto da montanha russa e outros agitadores de jantares.

cereja disse...

Sensacional!

Já tinha saudades das tuas histórias. Isto de estar longe da net tem várias desvantagens.
E, reparem que era tudo verdade, ou não? O que é que os mirones esperavam ver?...

Castanha Pilada disse...

O espírito mirone já vem de há muito! Lol! Bem voltada ao mundo virtual!