Eu estava a ver um tele-filme na televisão sobre um menino que era preto e queria ser branco. Depois de várias peripécias, concluía-se que a cor da pele não interessa quando se tem um bom coração e eu até já estava a ficar um bocadinho emocionada. A única coisa de que tive pena foi que ele não tivesse conseguido, efectivamente, ficar branco. Aí sim, seria o perfeito final feliz. Perguntei à minha mãe se não havia nenhum tratamento que transformasse os pretos em brancos e ela respondeu-me negativamente. Lembro-me que fiquei angustiada e com pena deles como se se tratasse duma doença horrível com que se nasce. Lembro-me que a minha mãe me respondeu qualquer coisa sobre não me preocupar com isso pois tinha nascido branca. Hoje, esta memória arrepia-me. Mas depois penso que não, nós não éramos uns monstros, nem eu nem mesmo a minha mãe que pensava assim já depois de adulta. Nós éramos apenas o resultado dum país que vivia de colonizar e onde não era permitido introduzir variantes ao pensamento dominante. Ponto final.
10 comentários:
Aqui, até recentemente não existia negros, ou pretos, ou afrodescendentes, mas pessoas "de cor".
E eu lembro estar falando com um amigo e me referido às pessoas "de cor". "que cor?" "como assim, que cor?" "sim, que cor? cor-de-rosa, vermelho, verde?" "caramba! da sua cor! negro!" "ah, bom... pensei que já fosse verde..." "idiota".
Essa das pessoas de cor é um eufemismo muito giro. Porque as pessoas não querem usar a palavra preto, mas usam a palavra branco. Isto dá pano para mangas!
Ainda me lembro da altura que veio para a Ilha morar o primeiro casal de cabo-verdianos pretos; ele, jogador de futebol, o Ben David e ela a cantora Djuta, uma mulher lindíssima ainda hoje com setenta e muitos anos é uma senhora muito elegante, mais tarde conheci outro casal amigo da minha família, habituei-me a conviver com eles, mas lembro-me, sim, desse sentimento que eu, também experimentei - "coitadinhos deles" - os pretos que eu conheço não gostam que se fale deles como - "pessoas de cor"
Lembram-se do «Restaurador Olex»?
Um preto de cabeleira loira e um branco de carapinha não é natural parecendo que não, ali já estava muito bem definido o que pertencia a cada raça e nada de misturas. Um filme muito antigo mas muito bom, chamado Milagre de Milão do Vittorio De Sica, um par de namorados, ele negro e ela branca, por amor trocam a cor da pele. Claro que o resultado é desastroso, mas ouvi quem na altura comentasse que bom seria terem ficado os dois brancos.
Claro que em Portugal a nossa relação com as colónias influenciava, mas essa posição da supremacia da raça branca era geral em quase todo o mundo.
Voltando ainda ao «de cor» é curioso que a «cor» é sobretudo a cor mais escura - negro, indiano - porque não é tão usual dizer-se para um oriental.
Aliás na África do Sul no tempo do apartheid, os japoneses creio eu não entravam na categoria dos não-brancos.
(podiam não ser os japoneses mas era um povo oriental, isso tenho a certeza)
A minha mãe nasceu em Moçambique. O meu pai foi para lá com 14 anos. Um terço da minha família vagou por África. São todos branquinhos. Os verdadeiros copos de leite. Mas na minha casa sempre foi tão natural ser preto ou branco, como ter caracóis ou o cabelo liso.
Passar de preto a branco sempre me pareceu coisa tão parva como esticar o cabelo...
E ainda hoje temos necessidade de exorcizar esses nossos fantasmas.
Quanto ao - "coitadinhos deles" - era a pensar por aquilo que eles passavam e não por terem nascido assim . Eu, também, tive sorte dos meus pais, a esse respeito, serem pessoas um pouco diferentes...
Esse meu amigo negro - que não era de cor -, namorei com ele antes de me casar com o branquelo do meu marido. :) Ele também casou-se com uma branca, um pouco antes de mim. O irmão dele com uma japonesa.:)
Mariquinhas, o sentimento era mesmo o "coitadinhos!". A minha mãe, quando estávamos em África, era única que tratava bem os criados pretos. Que lhes dava de comer em pratos (sim, nem todos faziam isso) e sem ser uma espécie de lavagem para porcos. No entanto, o sentimento continuava a ser de algum paternalismo.
Emiele, a do Restaurador Olex era um compêndio!
Taralhoca, esticar o cabelo não é assim tão mau!
mfc, de facto.
Senhora, grande misturada hein?
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