A professora mandou fazer um poema para o dia da mãe e eu fiz. Naquele tempo, fazer o que as professoras mandavam era uma questão de sobrevivência.
Não é que eu não tivesse feito qualquer coisa para o dia da mãe, voluntária e alegremente. Só que talvez não fizesse um poema. Talvez inventasse um novo gadget para a cozinha, talvez fizesse uma pintura abstractamente tosca, ou qualquer outra coisa tão inútil como um poema. Mas se era preciso um poema, que saísse um poema! O meu centrou-se numa metáfora em oito versos e duas estrofes em que eu e os meus irmãos éramos retratados como frágeis passarinhos no ninho e a minha mãe era a incansável mãe pássara que passava o dia à minhoca para nos alimentar, grandes alarves! Azar tive quando a professora ficou tão espantosamente impressionada que enfiou na cabeça que eu havia de declamar aquilo na festa de final de ano que fazíamos habitualmente no salão da paróquia para toda a aldeia. Na verdade, a nossa festa era um êxito tão grande em *** ******** como as peças do La Feria são agora no Porto e todo o povo aguardava ansiosamente e pagava de bom grado os cinco escudos que custava a entrada e cuja receita revertia para a creche e/ou a biblioteca. Houve um ano em que, a pedido de várias famílias, tivemos que fazer duas sessões, sendo que a última acusou o nosso amadorismo em falhas, esquecimentos e barracadas várias.
A verdade é que, quanto mais eu lia o poema, mais o achava estúpido e menos me apetecia lê-lo em público. Só que não havia alternativa, se era para ler era para ler. E no dia da récita lá estava eu, infeliz como um jumento abandonado, a pensar como iria evitar uma apoplexia quando subisse ao palco. Quando chegou a hora fatal pensei que morria. Senti-me a criatura mais estúpida do planeta terra enquanto declamava o meu próprio poema e olhava lá para baixo, com a minha mãe a chorar de emoção e as outras mulheres a acenar com a cabeça em sinal de aprovação por tão grande prova de amor filial.
O Tempo Entre Costuras
Há 4 semanas
12 comentários:
olha que o meu menino que tem quase 8 anos há dias queria fazer um poema que dizia pelo meio qualquer coisa como "que a primavera lhes fuia nas veias". tás a ver a vergonha que passaríamos todos se aquilo fosse para ler na festa de fim de ano ou outra qualquer.
Ah... mas ele escreveu um poeminha assim...
"eu quero ter asas
e sonhar...
quero ser vento
quero aprender
viver a vida
voar...
...
gosto de gostar"
deste não tive coragem para me rir...
...ainda te digo mais. eu que sempre tive a mania de escrever, ainda bem que na minha terra não faziam essas festas de fim de ano. hoje seria eu a ter belas e ricas memórias de vergonhaços passados nesses tempos.
fazem cada uma às criancinhas!...
ou se calhar nem foi assim tão mau. pensa bem... se a tua mãe ficou tão comovida, valeu a pena!...
Momentos desses não se esquecem! Também eu declamei um poema à mãe numa festa, felizmente não era da minha autoria. A minha mãe também gostou muito.
Maria, a gente acha sempre lindos os poemas deles. A minha mãe também gostou do meu, então? Eu é que sou altamente auto-crítica.
mariabesuga, ainda um dia destes estive a ver a minha fotografia a ler o poema. Tinha a cara tão vermelha como o vestidinho que levava.
bell, da nossa autoria custa mais um bocado.
Eheheh.. "Mãe coruja" é o que somos!
Os professores normalmente não deixavam as crianças participarem na escolha do reportório, eram uns chatos. Ainda, no tempo dos meus filhos, chegava a acontecer e eles ficavam danados, nunca percebi esse método...
Essas festas, para mim, eram uma grande dor de barriga, eu era muito participativa, sobretudo, nos teatrinhos e os meus irmãos, muito críticos, não perdoavam nada. Ah uma vez o mais novo, com 4 anos, levantou-se da plateia e disse - olha a minha irmã - desconcentrei-me e foi um fiasco.
Voltei a ter essa sensação quanto ia às festas de Escola dos meus filhos, ficava sempre aflita, com medo que alguma criança se enganasse.
Eu odiava essas coisas de poemas para a mamãe. Sempre fui péssima para isso. Eu tinha uma sorte tão grande que sempre era sorteada para ler à frente da classe. Graças a Deus na minha cidade e nem na escola tinha dessas festividades.
Lindo eu achei meu filho, com 3 anos, no meio de uma apresentação, cansou-se da repetição dos mesmos passos e começou a dançar como um autômato. Pensei que ele estava a passar mal! Mas no fim, entendi que ele estava cheio daquilo tudo. :)
Eu comecei a escrever "poemas" devia ter para ai uns 8 anos mas uma vez pediram me pra declamar em publico e eu fugi do palco...
Que vergonha!
PS: Cada vez gosto mais de passar por aqui a ler estas historias! ;-)
Mas estás muito crítica hoje como estavas na altura.
Caramba os poemas infantis é mesmo para serem infantis. Se te saísse um «fernandopessoada» ficava fora do contexto e tudo de boca aberta.
Os passarinhos ficam muito bem para uma menina da primária!!
Nunca se sabe se criamos uma boa recordação ou uma experiência traumatizante ao obrigar as crianças a fazer uma coisa dessas...
A sacana da professora armadilhou um teste com um belo poema de nossa autoria. Nunca tal eu tinha feito um poema. E tinha de fazer um ali, em 10 minutos. A professora adorou o poema, mas teve a decência de não mo mandar ler. Afixou-o antes uma cópia em letras garrafais à porta da escola...
Estou a ver a cena!
Mas devia estar muito bonito o teu poema, para as Mães os poemas são lindos! E por isso valeu tudo! Beijos.
Mariquinhas, também me lembro dessas angústias nos teatrinhos dos miúdos, e lembrei-me até duma história que vou contar aqui para vos encher a cabeça com as minhas tretas, como faço sempre.
Lol Senhora, curiosamente ainda há dias vi uma cena assim com o filho duma amiga minha, que estava a fazer de árvore mas sempre de mão na pilinha e a torcer-ce muito! Era uma árvore aflita para fazer xixi.
Marina, eu fugir não fugi. Mas acho que fiz uma viagem extra-corporal...
Emiele, lol, era assim: Num ninho, a um cantinho, estão três passarinhos! Só me lembro desta parte! :)))
Lumitoca, eu agora até que acho piada. Na altura quis morrer, mas agora acho piada.
Taralhoca, Taralhoca! Tiveste sorte!!!
Paula, claro que valeu! Todos os momentos da vida são para valer, ela é tão curta!
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