quinta-feira, 2 de julho de 2009

A professora mandou fazer um poema para o dia da mãe e eu fiz. Naquele tempo, fazer o que as professoras mandavam era uma questão de sobrevivência.
Não é que eu não tivesse feito qualquer coisa para o dia da mãe, voluntária e alegremente. Só que talvez não fizesse um poema. Talvez inventasse um novo gadget para a cozinha, talvez fizesse uma pintura abstractamente tosca, ou qualquer outra coisa tão inútil como um poema. Mas se era preciso um poema, que saísse um poema! O meu centrou-se numa metáfora em oito versos e duas estrofes em que eu e os meus irmãos éramos retratados como frágeis passarinhos no ninho e a minha mãe era a incansável mãe pássara que passava o dia à minhoca para nos alimentar, grandes alarves! Azar tive quando a professora ficou tão espantosamente impressionada que enfiou na cabeça que eu havia de declamar aquilo na festa de final de ano que fazíamos habitualmente no salão da paróquia para toda a aldeia. Na verdade, a nossa festa era um êxito tão grande em *** ******** como as peças do La Feria são agora no Porto e todo o povo aguardava ansiosamente e pagava de bom grado os cinco escudos que custava a entrada e cuja receita revertia para a creche e/ou a biblioteca. Houve um ano em que, a pedido de várias famílias, tivemos que fazer duas sessões, sendo que a última acusou o nosso amadorismo em falhas, esquecimentos e barracadas várias.
A verdade é que, quanto mais eu lia o poema, mais o achava estúpido e menos me apetecia lê-lo em público. Só que não havia alternativa, se era para ler era para ler. E no dia da récita lá estava eu, infeliz como um jumento abandonado, a pensar como iria evitar uma apoplexia quando subisse ao palco. Quando chegou a hora fatal pensei que morria. Senti-me a criatura mais estúpida do planeta terra enquanto declamava o meu próprio poema e olhava lá para baixo, com a minha mãe a chorar de emoção e as outras mulheres a acenar com a cabeça em sinal de aprovação por tão grande prova de amor filial.

12 comentários:

mariabesuga disse...

olha que o meu menino que tem quase 8 anos há dias queria fazer um poema que dizia pelo meio qualquer coisa como "que a primavera lhes fuia nas veias". tás a ver a vergonha que passaríamos todos se aquilo fosse para ler na festa de fim de ano ou outra qualquer.

Ah... mas ele escreveu um poeminha assim...

"eu quero ter asas
e sonhar...
quero ser vento
quero aprender
viver a vida
voar...
...
gosto de gostar"

deste não tive coragem para me rir...

mariabesuga disse...

...ainda te digo mais. eu que sempre tive a mania de escrever, ainda bem que na minha terra não faziam essas festas de fim de ano. hoje seria eu a ter belas e ricas memórias de vergonhaços passados nesses tempos.

fazem cada uma às criancinhas!...

ou se calhar nem foi assim tão mau. pensa bem... se a tua mãe ficou tão comovida, valeu a pena!...

bell disse...

Momentos desses não se esquecem! Também eu declamei um poema à mãe numa festa, felizmente não era da minha autoria. A minha mãe também gostou muito.

Castanha Pilada disse...

Maria, a gente acha sempre lindos os poemas deles. A minha mãe também gostou do meu, então? Eu é que sou altamente auto-crítica.

mariabesuga, ainda um dia destes estive a ver a minha fotografia a ler o poema. Tinha a cara tão vermelha como o vestidinho que levava.

bell, da nossa autoria custa mais um bocado.

Mariquinhas disse...

Eheheh.. "Mãe coruja" é o que somos!
Os professores normalmente não deixavam as crianças participarem na escolha do reportório, eram uns chatos. Ainda, no tempo dos meus filhos, chegava a acontecer e eles ficavam danados, nunca percebi esse método...
Essas festas, para mim, eram uma grande dor de barriga, eu era muito participativa, sobretudo, nos teatrinhos e os meus irmãos, muito críticos, não perdoavam nada. Ah uma vez o mais novo, com 4 anos, levantou-se da plateia e disse - olha a minha irmã - desconcentrei-me e foi um fiasco.
Voltei a ter essa sensação quanto ia às festas de Escola dos meus filhos, ficava sempre aflita, com medo que alguma criança se enganasse.

Anónimo disse...

Eu odiava essas coisas de poemas para a mamãe. Sempre fui péssima para isso. Eu tinha uma sorte tão grande que sempre era sorteada para ler à frente da classe. Graças a Deus na minha cidade e nem na escola tinha dessas festividades.

Lindo eu achei meu filho, com 3 anos, no meio de uma apresentação, cansou-se da repetição dos mesmos passos e começou a dançar como um autômato. Pensei que ele estava a passar mal! Mas no fim, entendi que ele estava cheio daquilo tudo. :)

Marina disse...

Eu comecei a escrever "poemas" devia ter para ai uns 8 anos mas uma vez pediram me pra declamar em publico e eu fugi do palco...
Que vergonha!

PS: Cada vez gosto mais de passar por aqui a ler estas historias! ;-)

cereja disse...

Mas estás muito crítica hoje como estavas na altura.
Caramba os poemas infantis é mesmo para serem infantis. Se te saísse um «fernandopessoada» ficava fora do contexto e tudo de boca aberta.
Os passarinhos ficam muito bem para uma menina da primária!!

Lumitoca disse...

Nunca se sabe se criamos uma boa recordação ou uma experiência traumatizante ao obrigar as crianças a fazer uma coisa dessas...

Taralhoca disse...

A sacana da professora armadilhou um teste com um belo poema de nossa autoria. Nunca tal eu tinha feito um poema. E tinha de fazer um ali, em 10 minutos. A professora adorou o poema, mas teve a decência de não mo mandar ler. Afixou-o antes uma cópia em letras garrafais à porta da escola...

Paula Raposo disse...

Estou a ver a cena!
Mas devia estar muito bonito o teu poema, para as Mães os poemas são lindos! E por isso valeu tudo! Beijos.

Castanha Pilada disse...

Mariquinhas, também me lembro dessas angústias nos teatrinhos dos miúdos, e lembrei-me até duma história que vou contar aqui para vos encher a cabeça com as minhas tretas, como faço sempre.

Lol Senhora, curiosamente ainda há dias vi uma cena assim com o filho duma amiga minha, que estava a fazer de árvore mas sempre de mão na pilinha e a torcer-ce muito! Era uma árvore aflita para fazer xixi.

Marina, eu fugir não fugi. Mas acho que fiz uma viagem extra-corporal...

Emiele, lol, era assim: Num ninho, a um cantinho, estão três passarinhos! Só me lembro desta parte! :)))

Lumitoca, eu agora até que acho piada. Na altura quis morrer, mas agora acho piada.

Taralhoca, Taralhoca! Tiveste sorte!!!

Paula, claro que valeu! Todos os momentos da vida são para valer, ela é tão curta!