terça-feira, 6 de janeiro de 2009

A Madalena era a mais burra. Mesmo assim com as cinco letras: BURRA. Nesse tempo não fazia mal chamar burros aos meninos que não conseguiam aprender as coisas na escola, pelo contrário, os professores dispunham até dumas orelhas compridas de papel que serviam para os pôr de castigo, sujeitos à chacota de todos os colegas. Dispunham também duma cana comprida para bater nas orelhas e duma régua grossa de madeira para bater nas mãos. E batiam. Os pais, não se incomodavam com isso. No entanto, os professores também tinham por vezes momentos de bondade, mostrando que eram adultos compreensivos. Foi o que aconteceu quando a minha escola ensaiou uma peça de teatro de Natal para apresentar no salão da paróquia. A professora, de boazinha que estava devido à época do ano que se atravessava, escolheu a Madalena para o papel de pastor. A Madalena! Foi um escândalo. A Madalena não era capaz nem de dizer a tabuada dos dez, que era a mais fácil de todas! Mas assim ficou, a Madalena era o pastor e tinha uma deixa durante toda a peça. Quando passasse por nós a menina que fazia de estrela, coberta de papel de lustro amarelo e com uma cauda, ela devia levantar o braço e dizer para os outros, que estariam deitados no chão: Pastores, erguei-vos depressa, que a boa nova é chegada! Já nasceu o Deus Menino! Só que em todos os ensaios, todos, a Madalena nunca foi capaz de dizer a sua deixa, nem completa nem na altura certa. Aquilo prometia.
No dia da peça tudo corria bem até à altura da entrada da Madalena. As que faziam de pastores lá estavam deitadas no palco, a fingir que dormiam, mas da boca da Madalena, nada. Imóvel e sorridente para o público, nem se deve ter lembrado que estava na altura de dizer qualquer coisa. As outras, lá iam levantando a cabeça e dando-lhe sinais, aos quais ela respondia com um sorriso ainda maior. O público olhava intrigado, sem perceber o que se passava ali. Até que a Madalena, por fim, percebeu que era a sua vez. Então, levantou o braço, e disse:
- Pastores! Erguei a boa nova! Depressa!

10 comentários:

Anónimo disse...

Para mim ela foi muito inteligente. Um poder de síntese fantástico! :)))

Castanha Pilada disse...

Quem sabe? Lol! Infelizmente nunca foi reconhecida,hoje trabalha numa empresa de limpezas...

mfc disse...

E pronto.... foi o fim da pura lã virgem!

Castanha Pilada disse...

Lollll!

cereja disse...

De escangalhar a rir, mas também a frase era complicada cheia de palavras que não se costumam dizer... Quem diz «erguei-vos!»? Ela aprendeu o «erguei» que já era muito...

Nessa linha do 'duplo sentido' e já agora sem sair da religião contava-se na minha família que determinado padre não queria lá misturas na sua igreja, queria as mulheres separadas dos homens e numa certa 'arrumação' E bradava lá do púlpito «Não entenderam? Os homens para aqui, as mulheres lá para cima. Então?.. Vá calças para baixo, saias para cima»
....
Ainda não se usavam jeans para todos....

Chef disse...

Numa firma de limpezas?
Aposto que é presidente da administração. É o lugar reservado a mentes tão brilhantes.

kuka disse...

Claro que o chef é o kuka.

Castanha Pilada disse...

Emiele, a religião, realmente, dá para tudo, lol!

Chef, se os membros da administração usam bata e andam de esfregona, então é!

Gi disse...

E toda gente riu e ela chorou que nem uma Maria Madalena.

Castanha Pilada disse...

Não, ela por acaso também achou imansa graça. Mais do que os outros.